Pejotização, características, cuidados e suspensão dos processos sob tramitação

Por ACI: 09/07/2025

O advento da reforma trabalhista faz com que, não raras vezes, se ouça a expressão “a inovação legislativa autorizou a terceirização da atividade-fim” e, a partir disso, ocorre a busca pela viabilização de tal assertiva através da pejotização dos empregados da empresa, circunstância que se analisa no presente artigo. 

Pejotização é a expressão comumente utilizada para designar aquilo que pode-se considerar uma fraude à legislação trabalhista pela qual o empregado constitui uma pessoa jurídica (PJ) prestadora de serviços para o mesmo trabalho que este realizava na condição de empregado, mascarando a relação de emprego de fato existente. O intuito é aumentar o recebimento líquido do contratado e favorecer em um primeiro momento a contratante, isentando-a das obrigações previdenciárias e trabalhistas. 

No entanto, a estratégia pode converter-se em uma armadilha ao contratante, uma vez que diversos são os casos em que é reconhecido o vínculo de emprego após anos em que a PJ prestou serviços para a mesma empresa.

Ainda que a prestação ocorra de forma aparentemente “autônoma” pela PJ contratada, verifica-se a fraude mediante pejotização quando restem caracterizados os elementos formuladores do vínculo de emprego: subordinação (recebimento de ordens do contratante e cumprimento de jornada estipulada), exclusividade (não dispor de múltiplos contratantes), pessoalidade (as atividades executadas exclusivamente na pessoa do contratado), habitualidade (prestação de serviços não eventual a empregador) e onerosidade (dependência do contratado mediante remuneração).

Transcreve-se decisão proferida pelo TST em relação à matéria:

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LEIS 13.015/2014 E 13 .467/2017. LEIS 13.465/15 E 13.467/17 TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. EMPRESAS PRIVADAS. ATIVIDADE-FIM. POSSIBILIDADE. TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL 725. SUBORDINAÇÃO DIRETA COM A EMPRESA TOMADORA DE SERVIÇOS. CORRESPONDENTE BANCÁRIO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NOS ARTS. 2º E 3º DA CLT. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO. PEJOTIZAÇÃO. DISTINGUISHING CONFIGURADO. MATÉRIA FÁTICA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA .

1. O STF reconheceu a legalidade irrestrita da terceirização de serviços, podendo a contratação de trabalhadores ocorrer de forma direta ou por empresa interposta e para exercer indiscriminadamente atividades ligadas à atividade fim ou meio das empresas, não se configurando em tais circunstâncias relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada (ADPF-324 e RE-958252 - Tema 725). 

2. Ocorre, no entanto, que a jurisprudência desta Corte vem assentando o entendimento de que, reconhecida a fraude na contratação, ante a existência de subordinação direta do empregado à empresa tomadora dos serviços, não há que se falar em licitude da terceirização. 

3. Assinale-se ainda que esta Corte, diante da decisão do STF quanto à licitude da terceirização nas hipóteses de pejotização, em que restou afastada a irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (AgRg-Rcl 39.351), vem entendendo que, caracterizados os requisitos clássicos da relação de trabalho, em que se reconhece a fraude na terceirização, configura-se o distinguishing da tese expressa pelo STF no Tema 725. Precedentes. 

4. Assim, havendo elementos fáticos no acórdão regional que permitem concluir configurada fraude na contratação, ante a existência de subordinação direta do empregado à empresa tomadora dos serviços, resta configurado o distinguishing da tese expressa pelo STF no Tema 725. Agravo a que se nega provimento. (TST - Ag-AIRR: 0010671-65.2020.5.03.0069, Relator.: Alberto Bastos Balazeiro, data de julgamento: 15/08/2023, 3ª Turma, data de publicação: 18/08/2023).

Na prática, ainda que existam notas fiscais emitidas pela PJ, caso não restem comprovados outros elementos, a ausência de exclusividade com a prestação de serviço a outras empresas e a eventualidade na prestação, haverá o reconhecimento do vínculo de emprego. É necessário ter em mente que o judiciário trabalhista adota o princípio da primazia da realidade dos fatos, ou seja, os acontecimentos têm preponderância sobre as formalidades adotadas na tentativa de afastar as características inerentes ao contrato de trabalho.

É comum, nesses casos, a caracterização da subordinação na prestação de serviços, além da não eventualidade, com atuação da PJ na estrutura organizacional da empresa contratante, o comparecimento diário, além da sujeição aos poderes diretivo e disciplinar da empresa, sem qualquer autonomia de fato.

Por outro lado, há um caráter objetivo trazido na Lei 13.467/17, que é o prazo para transformação em PJ do ex-empregado. A reforma alterou a Lei 6.019/74, prevendo, no artigo 5º-C, que não pode ser contratada como PJ a empresa cujos sócios tenham sido, nos últimos 18 meses, empregado ou prestador autônomo da contratante, exceto se aposentados.

Decisões proferidas pelo judiciário trabalhista têm considerado a contratação realizada nesse formato e, com a inobservância do lapso temporal, como nulas e declarado a unicidade contratual do contrato PJ com o contrato de trabalho anteriormente pactuado.

Transcreve-se decisão nesse sentido:

PRIMAZIA DA REALIDADE. VÍNCULO EMPREGATÍCIO VELADO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUTÔNOMOS NULO. PEJOTIZAÇÃO FRAUDULENTA. VIOLAÇÃO AO ART. 5º-C DA LEI Nº 6.019/74. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA ESTRUTURAL CONFIGURADA. CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO. Considerando o contexto fático e probatório dos autos, restou claro que, na hipótese, houve pejotização de natureza fraudulenta e o consequente contrato de prestação de serviços autônomos firmado entre a reclamante e os reclamados é nulo de pleno direito, em razão da violação literal do art. 5º-C da Lei nº 6.019/74. 

Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (art. 4º-A da Lei nº 6.019/74). 

Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados (art. 5º-C da Lei nº 6.019/74). Desse modo, prevalecem os princípios da primazia da realidade e da continuidade da relação de emprego, durante todo o curso do pacto laboral, preconizando a incidência de um único vínculo empregatício velado entre as partes, regido pela subordinação jurídica estrutural configurada. Recurso ordinário obreiro provido nesse particular. (TRT-13 - ROT: 00002183320215130025, Relator.: Wolney de Macedo Cordeiro, 2ª Turma - Gabinete da vice-presidência).

De outra banda, o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal em relação à terceirização de profissionais liberais é considerada lícita, considerados como hipersuficientes nos termos do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho. Essa posição está esteiada no argumento de que estes profissionais, pela escolaridade e remuneração mais elevados, proporcionam maior autonomia para negociar as condições de trabalho e não ostentam vulnerabilidade.

Transcreve-se a jurisprudência da Corte sobre a temática específica:

Ementa: CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 

1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. Luiz Fux), em que esta corte fixou tese no sentido de que: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. 

2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por pejotização, não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. Rosa Weber, Red. p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento. (Grifo nosso).

Nesse momento, todos os processos que têm por objeto a discussão sobre a pejotização estão com a tramitação suspensa a partir da decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratam da licitude da contratação de trabalhador independente ou pessoa jurídica para a prestação de serviços, a popularmente denominada pejotização, com atribuição da repercussão geral da matéria (Tema 1389), que envolve não apenas a validade desses contratos, mas também a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude e a definição sobre quem deve arcar com o ônus da prova: o contratado ou o contratante.

Segundo o ministro, a controvérsia sobre a legalidade desses contratos tem sobrecarregado o STF diante do elevado número de reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho, que, em diferentes graus, deixa de aplicar o entendimento já firmado pela Corte sobre a matéria.

“O descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”, asseverou em sua manifestação.

Dessa forma, a decisão de mérito que será proferida pelo STF deverá ser apreciada por todos os tribunais do país ao julgarem casos semelhantes. A suspensão da tramitação é válida até que o Plenário julgue o mérito do recurso extraordinário.

Por derradeiro, diante da suspensão determinada, no momento não há como estabelecer uma orientação juridicamente segura em relação a adoção desta ou daquela conduta como a mais adequada para a efetivação de contratações sob esta modalidade. Gize-se que, na hipótese de a decisão que vier a ser proferida não se debruçar sobre a quarentena estipulada no artigo 5-C da Lei 6.019/1974 com redação atribuída pela Lei 13.467/2017, popularmente denominada como reforma trabalhista, nosso entendimento é de que restará uma lacuna para a discussão acerca da temática pejotização.

César Romeu Nazario – Advogado
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Nazario & Nazario Advogados Associados

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