Considerações sobre alteração da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT)
Em 29 de novembro de 2023, o Diário Oficial da União (DOU) publicou a Portaria GM/MS nº 1.999/2023,[1] que promoveu a atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Essa medida altera o artigo 423 da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, consolidando a LDRT como ponto de referência para doenças e agravos originados no ambiente laboral.
A partir da vigência, que ocorrerá 30 dias após a publicação, a LDRT será adotada como padrão para as doenças e agravos decorrentes do trabalho. No âmbito da saúde, suas finalidades incluem orientar o uso clínico-epidemiológico, de forma a permitir a qualificação da atenção integral à saúde do trabalhador; facilitar o estudo da relação entre o adoecimento e o trabalho; adotar procedimentos de diagnóstico; elaborar projetos terapêuticos mais acurados; e orientar as ações de vigilância e promoção da saúde em nível individual e coletivo.
A atualização incorporou 165 novas patologias, totalizando 347 doenças.
O anexo da Portaria GM/MS nº 1.999/2023 traz a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), dividido em duas partes:
- Lista A, onde constam os agentes e/ou fatores de risco com as respectivas doenças relacionadas ao trabalho; e
- Lista B, onde constam as doenças relacionadas ao trabalho para identificação, diagnóstico e tratamento.
Dentre as várias doenças incluídas pela Portaria GM/MS nº 1.999/2023, as doenças a seguir passarão a ser consideradas como doenças do trabalho, a partir do momento em que a norma entrar em vigor:
- Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool (CID F10), decorrente de fatores psicossociais relacionados à gestão organizacional: deficiências na administração de recursos humanos, que incluem estilo de comando, modalidades de pagamento e contratação [terceirização, trabalho intermitente, MEI, pejotização e uberização, participação, acesso à integração e treinamento, serviços de assistência social, mecanismos de avaliação de desempenho e estratégias para gerenciar mudanças que afetam as pessoas, entre outros.
- Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinóides (CID F12), (popularmente conhecidos como maconha), decorrente de fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho e/ou risco de morte e trauma no trabalho; desemprego.
- Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso da cocaína (CID F14), decorrente de fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho e/ou risco de morte e trauma no trabalho; desemprego.
- Lesões autoprovocadas intencionalmente (suicídio) (CID X60 – X84), decorrentes de fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho e/ou risco de morte e trauma no trabalho; desemprego.
- Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de drogas alucinógenas (CID F16), como, por exemplo, o LSD e a ayahuasca, denominado de chá de Santo Daime, decorrente de fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho e/ou risco de morte e trauma no trabalho; desemprego.
- Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo (CID F17), decorrente de fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho e/ou risco de morte e trauma no trabalho; desemprego.
- Obesidade (CID E66), decorrente de jornada de trabalho (trabalho em turnos; trabalho noturno).
- Dengue (CID A90) (Dengue Clássico), decorrente da exposição ao mosquito “Aedes aegypti”, transmissor do arbovírus da Dengue em atividades de trabalho.
- Doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) (CID B20), decorrente da exposição ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) em atividades de trabalho.
- Doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) (CID U07.1), decorrente da exposição ao coronavírus SARS-CoV-2 em atividades de trabalho.
Consta também na lista do Ministério da Saúde a Síndrome de Bournout (CID Z73.0) (esgotamento), reconhecido pela OMS desde 2022 como doença do trabalho, decorrente de fatores psicossociais relacionados a: gestão organizacional; e/ou contexto da organização do trabalho; e/ou característica das relações sociais no trabalho; e/ou conteúdo das tarefas do trabalho; e/ou condição do ambiente de trabalho; e/ou interação pessoa-tarefa; e/ou jornada de trabalho; e/ou violência e assédio moral/sexual no trabalho; e/ou discriminação no trabalho e/ou risco de morte e trauma no trabalho.
De acordo com o art. 20 da Lei nº 8.213/1991, considera-se acidente do trabalho o decorrente de doenças ocupacionais, como a doença profissional produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho, e a doença do trabalho adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado, e com ele se relacione diretamente. Resumidamente, o dispositivo refere-se às enfermidades do trabalhador que se relacionarem com a atividade profissional.
Segundo o art. 118 da Lei nº 8.213/1991, o empregado que tenha sofrido acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de 12 (doze) meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.
Para o Tribunal Superior do Trabalho, no item II da Súmula nº 378, para a concessão da garantia de emprego, prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/1991, é necessário que o empregado fique afastado do trabalho em período superior a 15 (quinze) dias, mediante atestado médico, bem como que tenha recebido o benefício auxílio-doença acidentário (B91), salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.
Em assim sendo, percebe-se o quanto inspira cuidado e atenção a questão da doença profissional, tanto para os trabalhadores quanto para as empresas.
As doenças citadas acima e previstas na Portaria GM/MS nº 1.999/2023, doravante serão consideradas doenças do trabalho, sendo que o reconhecimento de algumas delas como doença ocupacional poderá dar margem a grande insegurança para as empresas, visto que não guardam relação direta e objetiva com o trabalho, como, por exemplo, o uso de drogas como cocaína, maconha, LCD, em que seu uso muitas vezes é até mesmo socialmente estimulado, devendo criteriosa e minuciosamente ser investigado pelo médico do trabalho os motivos que levaram o trabalhador a usar substâncias tão prejudiciais à sua saúde.
Tanto a Dengue quanto a Covid-19 são consideradas doenças endêmicas em decorrência de sua grande incidência em determinados locais, em que a exposição aos agentes desencadeadores pode ocorrer praticamente em qualquer área ou região, e até mesmo na própria residência do trabalhador, não tendo como ser imputado objetivamente como decorrente do trabalho.
Em relação às lesões autoprovocadas intencionalmente pela tentativa de suicídio, o próprio Ministério da Saúde, em setembro de 2022, em seu sítio eletrônico[2], ressaltou que: “O suicídio é uma ocorrência complexa, influenciada por fatores psicológicos, biológicos, sociais e culturais”. Portanto, a possibilidade de se imputar ao trabalho a causa da tentativa de suicídio, mediante lesões autoprovocadas intencionalmente, pode dar margem, até mesmo, a alegações infundadas, dirigidas intencionalmente ao trabalho e à empresa.
No tocante à obesidade, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, em seu site,[3] ressalta que “a obesidade é uma doença crônica, que afeta um número elevado de pessoas por todo o mundo”, e que “tem causa complexa, mas somente ocorre quando há predisposição genética”, sendo que “essa vulnerabilidade biológica” “é muito comum na população, e o padrão alimentar atual da sociedade promovem a epidemia de obesidade”. Assim, em relação à obesidade, dada a complexidade de sua causa, não há como, a princípio, imputar a doença ao trabalho.
Quanto à doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), a Portaria GM/MS nº 1.999/2023 deveria ter sido mais específica, direcionando a possibilidade de exposição ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) às atividades exercidas por profissionais de saúde, pois ao consignar a doença de forma genérica pode dar margem a equívocos em relação a outras atividades que não guardam qualquer relação com a área médica.
Por fim, é importante ressaltar que cuidar da saúde mental e física dos trabalhadores, de forma preventiva, é investimento direto, que reflete positivamente na produtividade das organizações.
Com a inclusão de novas doenças pela Portaria GM/MS nº 1.999/2023, cuidar da saúde dos trabalhadores torna-se ainda mais crucial para as empresas, inclusive em termos de proteção jurídica.
Daniela Baum - Advogada
Consultora trabalhista e Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Baum Advocacia & Consultoria Empresarial
[1] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-1.999-de-27-de-novembro-de-2023-526629116. Acesso em 07/12/2023.
[2] Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/setembro/anualmente-mais-de-700-mil-pessoas-cometem-suicidio-segundo-oms. Acesso em 08/12/2023.
[3] Disponível em: https://www.endocrino.org.br/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-obesidade/. Acesso em 08/12/2023.