Decisão liminar do STF determina sobrestamento de processos que examinam vínculo de emprego
Por ACI: 27/06/2025
Em recente decisão, o Ministro Gilmar Mendes, em exame de repercussão geral da questão constitucional suscitada no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.532.603, deferiu liminar dando ao Tema nº 1.389 a seguinte definição: “Competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”, ou seja, de forma resumida: o STF determinou que processos em que se discute negativa de vínculo de emprego sejam sobrestados os processos até o julgamento final do tema pelo STF.
O Tema 1.389 trata, entre outros, acerca da licitude da contratação civil/comercial de trabalhador autônomo para a prestação de serviços, à luz do entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos. O assunto é de extrema importância em um mundo cada vez mais rápido e com novas formas de trabalho.
Assim, o ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil também será dirimido por ocasião do julgamento do Tema 1.389 pelo STF e, portanto, a suspensão de processos perante a Justiça do Trabalho que examina este tema pode ser alegada pelas empresas.
O debate no STF gera a necessidade de que os Juízes de primeira instância e os tribunais regionais, diante do requerimento de partes nos processos em andamento, examinem e determinam a suspensão dos processos em que há debate de vínculo de emprego ou relação autônoma/pessoa jurídica com contrato de prestação de serviço celebrado anteriormente entre as partes.
Evidente que, pela polêmica do assunto, existe resistência de alguns tribunais e juízes da Justiça do Trabalho em determinar o sobrestamento dos processos até o julgamento final pelo STF quanto à possibilidade de terceirização também para contratos de pessoa jurídica ou autônomos. A decisão em sede de liminar pelo Ministro Gilmar deverá ser acolhida e imediatamente determinada a suspensão dos processos em que o pedido base seja reconhecimento de vínculo de emprego.
Em recente decisão do tribunal gaúcho, nos autos do mandado de segurança 0024866-65.2025.5.04.0000 (Gabinete da Exma. Desembargadora Ângela Rosi Almeida, assim decidiu:
(…) Logo, a controvérsia estabelecida entre as partes no processo principal envolve matérias diretamente relacionadas ao Tema 1.389 da Repercussão Geral, motivo pelo qual deve ser imediatamente cumprida a ordem de suspensão da tramitação determinada pela Corte Constitucional até o julgamento definitivo do ARE 1.532.603. Não obstante os ponderáveis fundamentos externados pela autoridade reputada coatora, ante a literalidade e abrangência da ordem suspensão, não há espaço para interpretação teleológica do comando que foi lá determinado.
(…)
Oportuno registar que, segundo verifiquei, são diversas as Reclamações Constitucionais que têm sido acolhidas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal em face de decisões que não cumprem estritamente a ordem de imediata suspensão da tramitação de processos que versem sobre questões relacionadas ao Tema 1.389 da Repercussão Geral.
(…)
Por conseguinte, considero presentes tanto o fundamento relevante como o risco de ineficácia da medida, ante o prosseguimento da tramitação do feito subjacente em detrimento do comando de suspensão nacional exarado pelo Supremo Tribunal Federal.
Pelo exposto, defiro a liminar para, suspendendo a decisão atacada, determinar a imediata suspensão da tramitação do processo principal subjacente até o julgamento definitivo do ARE 1.532.603.”
Ainda, decisão recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, nos autos da Reclamação Disciplinar de nº 003576-54.2025.2.00.0000, assim entendeu quanto às decisões que não suspendem as ações trabalhistas que discutem o reconhecimento de vínculo empregatício e trabalho autônomo, em contrariedade à determinação de suspensão do STF:
“Ao que se extrai, a decisão é, evidentemente, descumpridora de determinação emanada pelo Supremo Tribunal Federal. Mesmo ciente da ordem de suspensão de todos os processos relacionados com o Tema 1389, a desembargadora afirma em sua decisão que (i) seu “posicionamento é absolutamente contrário à decisão do STF, sob pena de esfacelamento da competência da Justiça do Trabalho em um curto espaço de tempo; (ii) seria “inviável adotar a tese ora referida por esse tema se for considerado que atinge a competência constitucional da Justiça do Trabalho”; e (iii) não “caberia ao STF, como guardião dos princípios imanentes […] suprimir lides da competência exclusiva da Justiça do Trabalho”.
O Conselho Nacional de Justiça tem tido grande preocupação com o reiterado descumprimento das decisões exaradas pelos tribunais superiores, sobretudo nos casos de Controle Concentrado de Constitucionalidade, Repercussão Geral e Recurso Representativo de Controvérsia. Isso porque o sistema de precedentes no Direito Brasileiro tem sido objeto de evolução constante, tendo como objetivo maior a eficiência do sistema e a celeridade na tramitação processual.
O descumprimento das decisões vinculantes de tribunais superiores acaba prejudicando as partes e colocando em xeque a eficácia do desenho institucional dos tribunais.
Em termos práticos, especificamente em relação à Justiça do Trabalho, mais da metade das reclamações enviadas ao STF tratam de questões relacionadas ao direito trabalhista. Conforme declaração do Ministro Gilmar Mendes, “O descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas” (https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-suspende-processos-emtodo-o-pais-sobre-licitude-de-contratos-de-prestacao-de-servicos/).
Tendo isso em conta, a independência funcional do juiz (art. 41 da Loman) não é absoluta. Em caráter excepcional, se comprovada a ofensa aos deveres constitucionais e legais, admite-se relativizar os princípios da independência e da imunidade funcionais para propiciar a responsabilização administrativo-disciplinar do magistrado.
Assim, cabe o debate do tema e o imediato sobrestamento das reclamatórias trabalhistas, em que há pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, até o julgamento definitivo do Tema 1.389 pelo STF.
Solange Neves - Advogada
Solange Neves Advogados Associados
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI