Uso de softwares para monitorar funcionários gera debate moral

Por ACI: 30/09/2021

Brian Cramer montou um negócio que está em plena expansão ao especializar-se em ajudar empresas de serviços financeiros a cumprir suas obrigações legais no rastreamento das atividades de seus funcionários. Agora, a demanda por ferramentas desse tipo está indo além dessas empresas- e por um leque de motivos mais amplo.

A Smarsh, onde ele é CEO, tem foco no setor de serviços financeiros, altamente regulamentado e fiscalizado. A empresa vale-se de algoritmos e da aprendizagem automática para fazer uma varredura de textos e transcrições de voz das ligações, bate-papos e outras interações eletrônicas dos funcionários para identificar transações ilegais ou o possível uso de informações privilegiadas.

Agora, entretanto, há muitos outros empregadores – apoiados por tecnologias cada vez mais refinadas e pela adoção do trabalho on-line – que estão experimentando novas formas de monitoramento digital, seja para melhorar a produtividade ou detectar práticas de trabalho que possam ser motivo de preocupação. Isso vem alimentando um debate sobre a privacidade e os direitos das pessoas em seus empregos, assim como sobre seu bem-estar físico e mental. "Nosso foco atual é a conformidade [com exigências da regulamentação]", ressalta Cramer. "Mas é bem fácil ver como essa capacidade poderia ser aplicada em áreas e tópicos das empresas onde líderes gostariam de proteger sua cultura e assegurar que é realmente um ambiente de trabalho atrativo." Ele comenta que essas possíveis áreas poderiam ser indicadores de práticas de intimidação no trabalho, assim como de assédio sexual e de racismo.

Muitas empresas especializadas oferecem "spywares" [programas que coletam secretamente informações dos usuários] de abrangência ainda maior. Até programas de uso generalizado, como o Office 365, da Microsoft, contêm "ferramentas de produtividade" que agora estão sob os holofotes. As técnicas de monitoramento podem incluir o registro das teclas apertadas, o rastreamento por GPS, o uso das câmeras e microfones dos computadores, a verificação do volume e conteúdo dos e-mails e a supervisão dos sites acessados. O aumento desse tipo de vigilância se dá em meio a um pano de fundo de pouca regulamentação e proteções aos funcionários.

Nem todos os programas precisam ser maliciosos. Emma Röhsler, do escritório de advocacia Herbert Smith Freehills, nota uma tendência "de mudança de foco, das horas trabalhadas para o que os funcionários estão produzindo". "Estamos vendo de nossos clientes um desejo de confiar em seus funcionários, não de ser um 'big brother'. Nenhum empregador responsável quer ser visto se excedendo no monitoramento."

Uma pesquisa recente realizada com 375 grandes empregadores no mundo sinalizou que mais de 80% planejava reorientar a ênfase, do monitoramento das horas de trabalho da equipe para o de sua produção. Isso representa um afastamento da vigilância simplista do "ponto de entrada e saída" da era industria. Por sua vez, essa mudança de foco para a produção, em vez de horas trabalhadas, levanta a questão de como medir a produtividade. Mais de 30% dos entrevistados previam que as medidas de vigilância poderiam desencadear protestos dos funcionários.

Reino Unido

Levantamento do instituto de pesquisas YouGov com 2 mil tomadores de decisões empresariais no Reino Unido, em 2020, para a Skillcast, uma empresa de consultoria, indicou que 12% dos empregadores já usavam softwares para rastrear funcionários e monitorar seu desempenho, e outros 8% planejavam fazê-lo. "Estamos preocupados com o aumento dos softwares de vigilância nos últimos 18 meses", disse Andrew Pakes, diretor de análises do Prospect, sindicato britânico de trabalhadores com formação acadêmica. "Já estávamos atentos aos empregadores que usam cada vez mais as tecnologias para nos controlar e gerenciar, mas vimos o uso de superamplificadores colocados durante a pandemia. A vigilância digital agora é uma prática generalizada."

Para ele, os dados são a nova linha de frente em direitos dos trabalhadores. "Estamos vendo tecnologias que têm o poder de nos recrutar, gerenciar nosso desempenho, nos disciplinar e nos promover", diz. "Isso é cada vez mais usado para gerenciar e disciplinar os trabalhadores – uma enorme expansão além do objetivo original."

Pakes cita o uso de softwares para monitorar programadores que definem suas tarefas e o tempo necessário com base na conclusão de trabalhos anteriores semelhantes dentro de determinado horário. Seus colegas identificaram que dados de sistemas de rastreamento de movimento, destinados originalmente para garantir a segurança, agora vêm sendo usados em discussões sobre o grau de dedicação das pessoas no trabalho.

O sindicato também questionou a ciência por trás dos algoritmos que afirmam medir a felicidade emocional dos funcionários e contestou judicialmente o uso de inteligência artificial em processos de promoção – que pode trazer o risco de propensões pouco transparentes, como a discriminação racial.

As autoridades reguladoras já tomaram nota do novo cenário. O Gabinete do Comissário de Informação, que supervisiona a proteção de dados no Reino Unido, informa ter uma série de "casos em andamento que envolvem o uso de tecnologia com potencial para monitorar as ações dos funcionários". Em agosto, abriu consulta pública sobre práticas relativas aos dados e ao trabalho. Baseando-se no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia – que está em revisão no Reino Unido -, o órgão defende que os empregadores devem respeitar a privacidade, ser claros sobre a finalidade e os benefícios do monitoramento e alertar os funcionários sobre a natureza, extensão e motivos.

Uma dificuldade para os órgãos reguladores é quando softwares projetados e aplicados em países com diferentes direitos trabalhistas e de privacidade, como os Estados Unidos ou a China, são usados em outras jurisdições. Internacionalmente, a central sindical Uni Global Union, que representa sindicatos com mais de 20 milhões de trabalhadores, levantou preocupações sobre as práticas "pan-ópticas" de vigilância de funcionários da Amazon ao redor do mundo.

De acordo com Röhsler, a chave para os empregadores é a transparência na comunicação sobre o uso de monitoramento, o respeito às diretrizes de privacidade e aos direitos trabalhistas e a garantia de que o uso de qualquer tipo de rastreamento "não seja mais do que o necessário para as necessidades da empresa". (Tradução de Sabino Ahumada - Fonte: Valor Econômico)

César R. Nazario - Advogado
Consultor trabalhista e previdenciário e integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV
Nazario & Nazario Advogados Associados

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