Lei de Igualdade Salarial entre Homens e Mulheres: implementação, medidas e orientação

Por ACI: 26/12/2023

Com base nas mais recentes pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acerca da disparidade salarial entre homens e mulheres no Brasil, revelou-se que os salários dos homens superam os das mulheres em 22%. É importante destacar, entretanto, que essa desigualdade salarial não se restringe apenas aos profissionais do mesmo campo de atuação.

Os dados estatísticos da Justiça do Trabalho referentes a 2022 indicam que a busca por equiparação salarial ou isonomia resultou em 36.889 processos em todo o país. O tema promoção relacionada a diferenças salariais atingiu 9.669 processos, mas a informação, contudo, não apresenta um recorte específico sobre a diferença de gênero nas ações.

Esses indicadores destacam a importância de as empresas adotarem precauções necessárias para prevenir a discriminação salarial, visando evitar passivos trabalhistas. É crucial ressaltar que a implementação de medidas preventivas nesta área não apenas cumpre uma obrigação legal, mas também está alinhada com a adoção de boas práticas de sustentabilidade social e governança (ESG).

1 - Constituição Federal

Os artigos 5º, inciso I e 7º, inciso XXX da Constituição Federal de 1988, vedam as diferenças salariais por critérios de sexo, idade, cor ou estado civil, fundamentando a necessidade de tratamento isonômico entre homens e mulheres.

2 - Artigo 461 da CLT

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no artigo 461, caput, dispõe de regra específica de que, sendo idêntica a função, a todo o trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.

O referido artigo visa dar concretude à igualdade formal prevista na Constituição Federal, mas estabelece algumas exceções à regra geral da isonomia salarial, onde é admitida a diferença salarial nas seguintes hipóteses:

a) diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador superior a quatro anos e a diferença de tempo de função superior a dois anos;

b) existência de quadro de carreira ou plano de cargos e salários;

c) readaptação do empregado em nova função por motivo de deficiência física ou mental.

De acordo com o artigo 461 da CLT, para fins de isonomia salarial, trabalho de igual valor será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica; o quadro de carreira ou plano de cargos e salários poderão adotar promoções por merecimento e por antiguidade; a equiparação salarial só será possível entre empegados contemporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria; e em caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% do limite máximo dos benefícios do RGPS.

Portanto, tanto a Constituição Federal quanto a CLT já possuem uma proteção à discriminação por motivo de sexo, garantindo a igualdade salarial, observadas as exceções legais anteriormente mencionadas.

3 - Lei 14.611/23

O legislador ordinário ampliou ainda mais a proteção já existente com a publicação da Lei nº 14.611, de 03/07/2023, com o objetivo de assegurar a igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenhem a mesma função.

A norma, denominada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) de Lei da Igualdade Salarial, também alterou o art. 461 da CLT, tendo modificado o texto do parágrafo sexto e incluído o parágrafo sétimo.

O novo texto do § 6º do art. 461 da CLT prevê que, na hipótese de discriminação salarial por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas não afasta o direito de quem sofreu discriminação de promover ação de indenização por danos morais, considerando-se as especificidades do caso concreto.

O parágrafo 7º, do mesmo artigo, determina que, no caso de infração ao previsto no art. 461 da CLT, ou seja, no caso em que a empresa não pagar o mesmo salário para homens e mulheres que desempenham a mesma função, deverá ser aplicada a multa administrativa de que trata o art. 510 da CLT, porém no valor correspondente a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro no caso de reincidência.

A Lei nº 14.611/2023 prevê ainda a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e medidas para garantia salarial que foram regulamentadas através do Decreto nº 11.795/2023 e Portaria MTE nº 3.714/2023.

4 - Decreto nº 11.795/2023 e Portaria MTE nº 3.714/2023

Foi publicado pelo Poder Executivo Federal, no DOU do dia 23/11/2023, o Decreto nº 11.795, de 23/11/2023, regulamentando a Lei nº 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, bem como os mecanismos de transparência salarial.

Segundo o decreto, o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios e o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens são aplicáveis às empresas com cem ou mais empregados, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro.

O decreto prevê que competirá, conjuntamente, ao Ministério das Mulheres e ao Ministério do Trabalho e Emprego dispor sobre outras medidas e orientações complementares que visem a garantir a implementação do disposto na Lei nº 14.611/2023 e monitorar os dados e o impacto da política pública e a avaliação dos seus resultados.

Em 27/11/2023, foi publicada no DOU a Portaria nº 3.714, de 24/11/2023, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), regulamentando o Decreto nº 11.795/2023 e estabelecendo os procedimentos administrativos para atuação de fiscalização em relação aos mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios.

  1. Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios

O Decreto nº 11.795/2023 prevê que o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos, devendo contemplar, no mínimo, as seguintes informações:

  1. O cargo ou a ocupação contida na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, com as respectivas atribuições; e
  2. O valor: a) do salário contratual; b) do décimo terceiro salário; c) das gratificações; d) das comissões; e) das horas extras; f) dos adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; g) do terço de férias; h) do aviso prévio trabalhado; i) relativo ao descanso semanal remunerado; j) das gorjetas; e k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho (acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho), componham a remuneração do trabalhador.

Segundo a Portaria MTE nº 3.714/2023, o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base nas informações prestadas pelos empregadores ao eSocial, e as informações complementares serão coletadas na aba “Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios”, que será implementada na área do empregador no Portal Emprega Brasil.

A portaria prevê, também, que o relatório será composto por duas seções, contendo cada uma as seguintes informações:

  1. Seção I - dados extraídos do eSocial, como: a) dados cadastrais do empregador; b) número total de trabalhadores empregados da empresa e por estabelecimento; c) número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal, contendo informações sobre o salário contratual; décimo terceiro salário; gratificações; comissões; horas extras; adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; terço de férias; aviso prévio trabalhado; descanso semanal remunerado; gorjetas; e demais parcelas que, por força de lei ou de norma coletiva de trabalho (acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho), componham a remuneração do trabalhador; d) cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); e
  2. Seção II - dados extraídos do Portal Emprega Brasil, como: a) existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários; b) critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados; c) existência de incentivo à contratação de mulheres; d) identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e e) existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.

Os dados e as informações constantes do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverão ser anonimizados, ou seja, não deverão ser associados, direta ou indiretamente, a dados pessoais de empregados e empregadas, devendo ser observada a Lei nº 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

  1. Procedimentos do Ministério do Trabalho e Emprego

Segundo a Portaria MTE nº 3.714/2023, o Ministério do Trabalho e Emprego coletará os dados inseridos no eSocial pelos empregadores, bem como as informações complementares prestadas pelas empresas, e publicará o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios nos meses de março e setembro de cada ano, na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho.

Informações complementares serão prestadas pelos empregadores, em ferramenta informatizada que será disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos meses de fevereiro e agosto de cada ano, relativas ao primeiro e ao segundo semestres, respectivamente.

A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, pelo Ministério do Trabalho e Emprego será feita na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho após a disponibilização da aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios que será implementada na área do empregador no Portal Emprega Brasil.

Caberá às empresas com cem ou mais empregados publicar o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios (elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego) em seus sítios eletrônicos, nas suas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral.

A publicação do relatório, pelas empresas, deverá ocorrer nos meses de março e setembro e, para fins de fiscalização ou averiguação cadastral, o Ministério do Trabalho e Emprego poderá solicitar às empresas informações complementares às contidas no relatório.

  1. Elaboração de plano de ação por empresas

Verificadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego situações de desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, as empresas com cem ou mais empregados serão notificadas pela Auditoria-Fiscal do Trabalho para elaborar o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.

O citado plano de ação poderá ser elaborado e armazenado em meio digital com certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

Uma cópia do plano de ação deverá ser depositada na entidade sindical representativa da categoria profissional.

O Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá conter:

a) medidas a serem adotadas com escala de prioridade;

b) metas, prazos e mecanismos de aferição de resultados;

c) planejamento anual com cronograma de execução; e

d) avaliação das medidas com periodicidade mínima semestral.

O Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá prever, inclusive, a criação de programas de:

a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;

b) promoção de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e

c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Na elaboração e na implementação do plano de ação pela empresa, deverá ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, preferencialmente, na forma definida em norma coletiva de trabalho, seja acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho.

Na ausência de previsão específica em norma coletiva de trabalho, a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados se dará, preferencialmente, por meio da comissão de empregados estabelecida nos termos do art. 510-A ao art. 510-D da CLT.

Em tal hipótese, a empresa que tiver entre cem e duzentos empregados poderá promover procedimento eleitoral específico para instituir uma comissão que garanta a participação efetiva de representantes dos empregados.

  1. Procedimentos de fiscalização pelo MTE

A Portaria MTE nº 3.714/2023 prevê que, após a publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, em sendo verificada situação de desigualdade salarial e de critérios de remuneração, os empregadores serão notificados pela Auditoria-Fiscal do Trabalho para que elaborem, no prazo de 90 (noventa) dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.

A notificação será realizada a partir da implementação do Domicílio Eletrônico Trabalhista, nos termos do art. 628-A da CLT, ressalvados os procedimentos administrativos de fiscalização previstos ou iniciados nos termos da Instrução Normativa MTP nº 2/2021.

O prazo para apresentação do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios correrá a partir da primeira notificação, quando identificada a suposta situação de desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pela Auditoria-Fiscal do Trabalho (inciso II do art. 4º do Decreto nº 11.795/2023).

  1. Protocolo de fiscalização e canais de denúncia

Segundo a Portaria MTE nº 3.714/2023 o protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens será definido pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, sem prejuízo dos procedimentos fiscais decorrentes da Lei nº 9.029/1995, que trata, também, sobre práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências.

As denúncias relacionadas à discriminação salarial e de critérios remuneratórios serão apresentadas, preferencialmente, em canal específico disponível no aplicativo da Carteira de Trabalho Digital, sem prejuízo de outros que venham a ser criados para esta finalidade.

  1. Vigência das normas

O Decreto nº 11.795/2023 entrou em vigor na data da sua publicação, ou seja, em 23/11/2023, e a Portaria MTE nº 3.714/2023 entrou em vigor em 1º de dezembro de 2023. Por arremate, o cumprimento das normas de igualdade salarial não apenas resguarda as empresas de potenciais passivos trabalhistas, mas também as posiciona como agentes de mudança social e promotoras da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Essa abordagem, além de cumprir as obrigações legais recentemente estabelecidas, reforça também a imagem das empresas como organizações comprometidas com as boas práticas de sustentabilidade social e governança (ESG).

Para obter mais informações, entre em contato com a consultoria trabalhista da ACI-NH/CB/EV/DI.

Daniela Baum - Advogada
Consultora trabalhista e Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Baum Advocacia & Consultoria Empresarial

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