Iniquidade e deboche

Por ACI: 29/05/2017

O direito à aposentadoria de juízes condenados por vender sentenças e outros grandes delitos, evidencia a distorção que premeia magistrados afastados precocemente de suas funções. A Constituição fala na igualdade de direitos que pressupõe mesmos tratamentos em iguais situações, mas não é assim.

Este privilégio deve ser revisto e se mantém por conta de um estatuto desatualizado, do tempo da ditadura. Segundo ele um juiz condenado pode ser aposentado compulsoriamente recebendo remuneração proporcional ao tempo da ativa. Muitos juízes têm sido beneficiados pela norma.

Mesmo que tenha sustentação legal, é uma das deformações jurídicas do país. Um magistrado condenado deve ser punido como qualquer outra
pessoa e não ser privilegiado. Esta aposentadoria, por ironia, representa um prêmio. Magistrados levam ao cárcere pessoas que furtaram insignificâncias, o que revela a discrepância. Nosso ordenamento legal enseja absurdos. Para ilustrar esta dura realidade, relata-se que a única coisa que Alexandrino de Alencar, ex-diretor da Odebrecht Infraestrutura, e Keli Gomes da Silva, analfabeta e manicure, têm em comum é o tempo de sentença: sete anos e meio.

Ela, por furtar quatro pacotes de fralda de um supermercado na Brasilândia, periferia de São Paulo. Prejuízo de algo como R$ 150.

Ele, um dos 77 executivos da empreiteira que fechou acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato, por participar de esquema de corrupção na Petrobras. Pagamento de propina, apenas no Brasil, de R$ 1,9 bilhão, segundo confessou a própria empresa – valor 12,6 milhões de vezes maior que as fraldas levadas por Keli.

A Defensoria Pública de SP pediu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) a anulação da sentença de uma mãe que roubou ovos de Páscoa em um supermercado em 2015 e foi condenada pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de SP) a mais tempo de prisão que diversos envolvidos na Operação Lava Jato.

O executivo João Procópio Junqueira, por exemplo, recebeu sentença de dois anos e seis meses de reclusão por lavagem de dinheiro. A mulher foi condenada a três anos e dois meses de prisão em regime fechado – a sentença saiu quando ela estava grávida.

Vozes no próprio Judiciário já se manifestaram contra esta situação e a consideram uma excrescência. Neste sentido com veemência se têm manifestado a ex-presidente do Conselho Nacional de Justiça Eliana Calmon e os ex-integrantes do mesmo CNJ Vantuil Abdala e Ives Gandra Martins Filho. É lamentável que algumas ideias em torno de mudanças na Lei da Magistratura, que poderiam alterar essa prática, não tenham prosperado. O espírito corporativo é muito forte e se faz sentir permanentemente. Aqui no Estado do Rio Grande do Sula PEC do Duodécimo foi rejeitada na Assembleia Legislativa, onde a mesma situação se repetiu para privilegiar alguns em detrimento da maior parte que recebe do
Estado. Nestes vencimentos e limites constitucionais, o mesmo se verifica. Muita coisa tem de ser modificada, pois a ética e a moralidade não são relativas.

Agride a cidadania presentear com imunidade penal empresários que, após encherem-se de dinheiro estatal, que investiram em outro país na sua maior parte, confessaram aos risos ter subornado a República. Ou esse acordo é revisto, ou ficará maculado o legado de equidade da Lava Jato, como já foi acentuado.

O grupo J & F escandalosamente sugou a nação. Joesley fez uma das mais descaradas delações, expondo clinicamente o dilema ético em empresas.

ADALBERTO ALEXANDRE SNEL | ADVOGADO
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV

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