Reforma da tributação da renda: do mínimo existencial à taxação dos lucros em dividendos para 2026
Por ACI: 20/11/2025
Em quaisquer hipóteses, sempre há um considerável risco em se prever o futuro, sobretudo quando sequer o passado está assentado. Como controlar a lógica da imprevisibilidade do amanhã, se ainda não há um consenso acerca do que aconteceu ontem?
Não obstante isso, algumas situações vão sendo construídas com uma relativa possibilidade de concretização. Este parece ser o caso do Projeto de Lei 1087/2025, que altera substancialmente a tributação da renda das pessoas físicas a partir do ano de 2026, foi surpreendentemente aprovado por unanimidade de votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e – no momento que este artigo é escrito – está pendente de sanção pelo Presidente da República. Vale ressaltar que já nos ocupamos desse tema por ocasião do envio do projeto pelo Executivo e, agora, volta-se a tratar dele em face sua inequívoca importância, ainda que não se tenha o texto final.
De um lado, o PL 1087 eleva o limite de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas para R$ 5.000,00, além de permitir um desconto extra do imposto para aqueles cuja renda ultrapasse a esse valor e não exceda a R$ 7.350,00. Ou seja, na prática, amplia-se a aplicabilidade da fórmula que, na atualidade, permite a isenção até dois salários mínimos. Como já dito, esse aspecto do projeto corrige uma histórica injustiça fiscal, uma vez que o referido limite, indiscutivelmente, está muito defasado e há tempo corresponde a algo muito abaixo do denominado mínimo-existencial.
Ocorre que, como já havia sido alertado anteriormente, a não adequação da tabela simplificada do imposto de renda, de tal forma que inclusive as rendas acima dos limites mencionados pudessem excluir da tributação os valores equivalentes ao mínimo necessário destinado à sobrevivência, caracteriza afronta ao princípio constitucional da progressividade tributária.
Sabe-se, pois, que o art. 153, par. 2º, inc. I da Constituição determina que o imposto de renda seja progressivo, isto é, que suas alíquotas sejam maiores à medida que a base de cálculo (renda) assim o seja. Para evitar afronta ao princípio da igualdade/isonomia, a técnica da progressividade aplicável é a complexa, ou seja, as alíquotas são iguais para todas as faixas de rendimentos. Com isso, independentemente da renda total auferida, todos os contribuintes têm direito a uma parcela igual de isenção, bem como a uma igualitária submissão as suas alíquotas intermediárias. Uma vez que o projeto apenas eleva a faixa de isenção, sem estendê-la para as demais, o projeto aprovado pela Câmara reitera o insanável vício de inconstitucionalidade por afronta ao princípio da progressividade. Nesse ponto, sugere-se que entidades representativas de trabalhadores que estejam nessa condição levantem em juízo tal questão de forma coletiva.
Por outro lado, o projeto aprovado prevê retenção de fonte de imposto de renda, à alíquota de 10%, para rendimentos mensais advindos da distribuição de lucros para pessoas físicas, quando estes individualmente considerados, ultrapassarem a R$ 50.000,00 (abaixo disso continuam isentos tanto na fonte como na declaração anual). Essa regra também se aplica às remessas de lucros para o exterior, sendo discutível, pois, a ausência de uma progressividade.
Por ocasião da apresentação da declaração anual das pessoas físicas, o imposto será recalculado sobre a totalidade da renda, aplicando-se neste momento – de forma adequada – a regra de progressividade, cujo alíquota será maior para valores que ultrapassarem a R$ 600.000,00 ao ano até o teto de R$ 1.200.000,00. Acima desse valor, incidirá a alíquota de 10% sobre a totalidade das rendas, excluídos dessas, por exemplo, rendimentos de aplicações financeiras isentas (LCI, LCA, CRI, CRA), resultado da atividade rural e rendimentos obtidos de empresas do Simples Nacional (algo pouco provável que haja), entre outros. Do valor do imposto a pagar, serão deduzidos os valores retidos na fonte (se for o caso).
Relativamente aos lucros acumulados até 31/12/2025, permanece vigente a regra da total isenção na distribuição, o que não poderia ser diferente, pois, caso contrário, haveria clara afronta ao princípio constitucional da irretroatividade. Porém, como condição para fruição da isenção, será necessário que a empresa delibere acerca da distribuição dos lucros/dividendos até a referida data, definindo sua destinação e realizando o pagamento até 31/12/2028. Neste caso, embora não haja expressa previsão nesse sentido, entende-se que devam ser procedidos os devidos registros contábeis desses fatos. Relativamente ao próprio exercício em curso, cuja apuração não terá sido concluída até a data determinada para deliberação, também o projeto silencia, razão pela qual há de se pensar em fórmulas factíveis para a definição de valores, as quais já estão sendo aventadas.
Marciano Buffon - Advogado
Consultor fiscal e tributário da ACI-NH/CB/EV/DI/IV
Buffon & Furlan Advogados Associados