Judiciário reconhece licitude da terceirização da atividade-fim, mas há outras questões que precisam de atenção
Por ACI: 05/12/2025
Ao longo dos últimos anos o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem mudado seu posicionamento e reconhecido a validade da terceirização da atividade-fim da empresa. A temática, que no pretérito era controvertida, tem se alicerçado em uma perspectiva irrefutável na jurisprudência, especialmente após as inovações trazidas pela Lei 13.467/2017, popularmente denominada como Reforma Trabalhista, e Lei 13.429/2017, popularmente denominada como Lei das Terceirizações, além das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto.
Preteritamente à edição e publicação dos dispositivos legislativos e da pacificação da matéria através das decisões do STF, o TST mantinha o firme entendimento de que a empresa somente poderia contratar outra empresa, prestadora de serviços, na hipótese em que a atividade contratada não coincidisse à atividade-fim da tomadora, isto é, aquela atividade diretamente ligada ao seu objetivo principal e ao que ela oferece ao mercado. Esse entendimento levou à edição da Súmula 331 do TST, que expressamente proibia a terceirização da atividade-fim.
A Lei das Terceirizações atribuiu a redação do caput do artigo 5-A da Lei 6019/1974 que, de forma expressa, autoriza a terceirização da atividade-fim:
"Art. 5o-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal".
Em igual sentido, o STF, ao julgar o RE 958.252, estabeleceu a tese jurídica expressa no Tema 725 da Corte, dotado de repercussão geral:
"É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".
Em um segundo momento, a Corte certificou a constitucionalidade da denominada reforma trabalhista, naquilo que se refere à terceirização, alicerçando a tese jurídica do Tema 383 da Corte, igualmente dotada de repercussão geral:
"a equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratarem de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões e empresariais que não são suas"
Nesse contexto, o TST afastou a vedação a terceirização, ao menos nos termos praticados através da Súmula 331, alinhando as suas decisões àquelas proferidas pelo STF, assegurando maior segurança jurídica nas relações comercias estabelecidas.
O TST submeteu as questões inerentes a licitude da terceirização da atividade-fim a julgamento em sede de recursos repetitivos, cujas decisões possuem caráter vinculante e dispõe de repercussão geral, firmando três teses jurídicas através dos Temas 18, 59 e 81 e um ainda pendente de julgamento, que é o Tema 29.
Tema 18
1 - Nos casos de lides decorrentes da alegação de fraude, sob o fundamento de ilicitude da terceirização de atividade-fim, o litisconsórcio passivo é necessário e unitário. Necessário, porque é manifesto o interesse jurídico da empresa de terceirização em compor essas lides e defender seus interesses e posições, entre os quais a validade dos contratos de prestação de serviços terceirizados e, por conseguinte, dos próprios contratos de trabalho celebrados; Unitário, pois o juiz terá que resolver a lide de maneira uniforme para ambas as empresas, pois incindíveis, para efeito de análise de sua validade jurídica, os vínculos materiais constituídos entre os atores da relação triangular de terceirização.
2 - A renúncia à pretensão formulada na ação não depende de anuência da parte contrária e pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição; cumpre apenas ao magistrado averiguar se o advogado signatário da renúncia possui poderes para tanto e se o objeto envolve direitos disponíveis. Assim, é plenamente possível o pedido de homologação, ressalvando-se, porém, ao magistrado o exame da situação concreta, quando necessário preservar, por isonomia e segurança jurídica, os efeitos das decisões vinculantes (CF, art. 102, § 2º; art. 10, § 3º, da Lei 9.882/99) e obrigatórias (CPC, art. 927, I a V) proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, afastando-se manobras processuais lesivas ao postulado da boa-fé processual (CPC, art. 80, I, V e VI).
2.1 - Depois da homologação, parte autora não poderá deduzir pretensão contra quaisquer das empresas - prestadora-contratada e tomadora-contratante - com suporte na ilicitude da terceirização da atividade-fim (causa de pedir).
2.2) O ato homologatório, uma vez praticado, acarreta a extinção do processo e, por ficção legal, resolve o mérito da causa (artigo 487, III, "c", do CPC), produz coisa julgada material, atinge a relação jurídica que deu origem ao processo, somente é passível de desconstituição por ação rescisória (CPC, arts. 525, § 15, 535, § 8º, e 966) ou ainda pela via da impugnação à execução (CPC, art. 525, §12) ou dos embargos à execução (CPC, art. 535, § 5º) e acarretará a perda do interesse jurídico no exame do recurso pendente de julgamento.
3 - Em sede de mudança de entendimento desta Corte, por força da unitariedade imposta pela decisão do STF ("superação abrupta"), a ausência de prejuízo decorrente da falta de sucumbência cede espaço para a impossibilidade de reconhecimento da ilicitude da terceirização. Sendo assim, como litisconsorte necessário, a empresa prestadora que, apesar de figurar no polo passivo, não sofreu condenação, possui interesse em recorrer da decisão que reconheceu o vínculo de emprego entre a parte autora e a empresa tomadora dos serviços.
4 - Diante da existência de litisconsórcio unitário – e necessário – a decisão obrigatoriamente produzirá idênticos efeitos para as empresas prestadora e tomadora dos serviços no plano do direito material. Logo, a decisão em sede de juízo de retratação, mesmo quando apenas uma das Reclamadas interpôs o recurso extraordinário, alcançará as litisconsortes de maneira idêntica.
Tema 59
A contratação dos serviços de transporte de mercadorias, por ostentar natureza comercial, não se enquadra na configuração jurídica de terceirização prevista na Súmula nº 331, IV, do TST e, por conseguinte, não enseja a responsabilização subsidiária das empresas tomadoras de serviços.
Tema 81
A prestação de serviços terceirizados a uma pluralidade de tomadores não afasta a responsabilidade subsidiária, bastando a constatação de que se beneficiaram dos serviços prestados.
Além desses, o Tema 29, ainda pendente de julgamento:
A jurisprudência vinculante firmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 324 e nos Temas 725 e 739 de repercussão geral, em que reputada lícita a terceirização de serviços independentemente da natureza da atividade, comporta distinção para que o vínculo de emprego do trabalhador terceirizado se perfaça com o tomador de serviços, em razão da identificação de fraude? Em caso positivo, em quais condições?
Ainda que a auditoria fiscal do trabalho e o Ministério Público do Trabalho mantenham conduta refratária à adoção da prática, lavrando autos de infração e propondo TACs, o judiciário não tem dado guarida e tampouco conferido validade aos referidos instrumentos.
Por derradeiro, é importante destacar que a autorização para a terceirização não é salvo-conduto para a adoção sem observância da legislação, e igualmente não afasta a responsabilidade subsidiária nos casos onde não houve fiscalização por parte do tomador de serviços em relação ao cumprimento da legislação trabalhista e a regularidade de pagamentos pelo prestador de serviços.
Além disso, não observados os requisitos para a contratação do prestador de serviços elencados no artigo 4-B da Lei 6019/1974, igualmente inserido pela Lei das Terceirizações, e a configuração de fraude ao contrato de trabalho com a subordinação direta do empregado terceirizado ao tomador do serviço ou inexistência de estrutura da pessoa jurídica contratada.
César Romeu Nazario - Advogado
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI/IV
Nazario & Nazario Advogados Associados