Briga envolvendo dois colegas de trabalho. Dispensa por justa causa aplicada apenas a um dos empregados. Tratamento diferenciado. Conduta discriminatória.

Por ACI: 12/09/2019

“(...) B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. JUSTA CAUSA. NÃO CONFIGURAÇÃO. TRATAMENTO DIFERENCIADO A EMPREGADOS EM IDÊNTICA SITUAÇÃO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REVERSÃO.

Para o Direito brasileiro, “justa causa” é o motivo relevante, previsto legalmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito comitente da infração - no caso, o empregado.

Trata-se, portanto, de modalidade de extinção contratual por infração obreira apta a quebrar a fidúcia necessária para a continuidade do vínculo de emprego. Analisando-se os critérios de aplicação de penalidades no caso de infrações obreiras, verifica-se que existe um mínimo de limite à sua incidência, consubstanciado na observância de três grupos de requisitos a
serem examinados conjuntamente em cada caso concreto: objetivos (concernentes à caracterização da conduta obreira que se pretende censurar), subjetivos (relativos ao envolvimento - ou não - do trabalhador na respectiva conduta) e circunstanciais (que dizem respeito à atuação disciplinar do empregador em face da falta e do obreiro envolvidos).

Destaca-se ainda que, por força do princípio da continuidade da relação de emprego (Súmula 212/TST), presume-se a ruptura contratual mais onerosa para o empregador (dispensa injusta), caso evidenciado o rompimento do vínculo. Nessa diretriz, incumbe ao empregador o ônus da prova de conduta do empregado apta a configurar a justa dispensa, nos moldes dos arts. 818 da CLT; e 373, II, do CPC/2015 (art. 333, II, CPC/1973). Na hipótese, a Corte Regional deu provimento ao recurso patronal, reformando a sentença que havia revertido a justa causa aplicada ao Reclamante. É incontroverso que o Obreiro se envolveu em uma briga, fato reconhecido por ele próprio, que afirmou ter brigado com seu colega de trabalho, agredindo-o fisicamente. Porém, a despeito de dois empregados da Reclamada terem participado da briga, apenas o Reclamante foi punido com justa causa, não tendo sido relatada qualquer punição para o outro empregado. Ocorre que, pelo contexto fático delineado pelo TRT, a decisão regional se baseia apenas no relato de uma das partes diretamente envolvidas, não tendo a empresa buscado apurar, efetivamente, a realidade do que ocorreu entre os seus empregados. Assim, não se pode vislumbrar a dinâmica do ocorrido, tampouco inferir que as agressões partiram do Reclamante ou que não tenha havido qualquer agressão e/ou provocação por parte do colega de trabalho que alegou ter sido agredido. A propósito, o depoente indicado pela empresa declarou não ter presenciado a briga, conforme trecho do seu depoimento transcrito no acórdão: "...que o depoente não presenciou a briga entre o reclamante e o Sr. Marcos; o Sr. Marcos não foi dispensado; que informaram ao depoente que o reclamante havia agredido o Sr. Marcos; que o depoente conversou com ambos e o reclamante ficou calado; que o depoente pediu para ambos aguardarem e foi ao RH; quando do retorno do depoente, o reclamante já havia passado o cartão de ponto e ido embora; que viu o Sr. Marcos limpando sua boca, que estava sagrando, e o reclamante estava no vestiário; que não sabe se o Sr. Marcos revidou à briga (...) que apenas o Sr. Marcos estava no local para se explicar " (g.n.). A Reclamada, portanto, ao exercitar o seu poder punitivo, fê-lo de forma desproporcional, acabando por ferir o princípio da isonomia, já que puniu com a penalidade máxima apenas um dos envolvidos, relevando a participação do outro, concretizando, assim, tratamento discriminatório. Nesse
contexto, impõe-se reconhecer que, de fato, inexiste qualquer critério objetivo ou razoável apto a justificar o tratamento diferenciado a empregados em idêntica situação, o que configura afronta ao princípio constitucional da igualdade substancial e da não discriminação. A diretriz ora traçada emana do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput), não se podendo olvidar que o cuidado do empregador pela manutenção deste pilar fundamental nas relações empregatícias deve ser prática cotidiana, por explícito mandamento constitucional. Cumpre ressaltar que o marco constitucional de 1988 lançou um
divisor nítido na temática antidiscriminatória: de um lado, verifica-se o período anterior a 1988, com referências jurídicas relativamente tímidas e dispersas; de outro lado, desponta um largo e consistente sistema de proteções jurídicas contra discriminações empregatícias, que tem caráter abrangente e diversificado, valendo-se de um parâmetro normativo geral da
Constituição Federal, insculpido no inciso IV do seu art. 3º: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Como se sabe, presume-se discriminatória a ruptura arbitrária do contrato de trabalho, quando não comprovado um motivo justificável. Esse entendimento pode ser abstraído do contexto geral de normas do nosso ordenamento jurídico, que entende o trabalhador como indivíduo inserto numa sociedade que vela pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (arts. 1º, III e IV e 170, III e VIII, da CF). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. No contexto dos autos, portanto, a Reclamada não comprovou de forma robusta (ônus que lhe competia) que, ao aplicar a penalidade, tenha agido de forma proporcional diante dos fatos ocorridos. Ao contrário, houve relativização quanto à reprovação dos atos praticados pelos empregados, o que revela sua conduta discriminatória em relação ao Reclamante. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST-RR-1000998-63.2017.5.02.0069, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 21.8.2019)

Fonte: TST

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