Regulação do mercado de criptoativos no Brasil

Por ACI: 23/02/2023

A evolução da tecnologia e as mudanças por ela oportunizadas à sociedade, com reflexos em todas as áreas, inclusive na economia e nas finanças, vem atraindo, ao longo dos anos, investimentos em ativos digitais, conhecidos como criptoativos.

No Brasil, contudo, a prática ainda não estava regulamentada. Aliás, a principal crítica pró-regulamentação sempre foi a de que transações com criptoativos podem servir como porta de entrada para realização de negócios ilícitos, cometimento de crimes e fraudes.

A primeira regulamentação sobre criptoativos, no país, ocorreu através da Instrução Normativa nº 1.888/2019, da Receita Federal do Brasil. Através desta IN, passou a ser obrigatório prestar informações sobre operações/investimentos relacionados a criptoativos ao Fisco.

Em resumo, todas as “exchanges” (corretoras de criptoativos) domiciliadas em território brasileiro e, igualmente, investidores domiciliados no Brasil (pessoas físicas e jurídicas), ficaram obrigados a prestar informações à Receita Federal, tudo para monitorar operações com ativos virtuais e evitar o seu uso para lavagem de dinheiro, estelionato, tráfico de drogas, etc.

Agora, além da referida Instrução Normativa, foi publicada no Diário Oficial da União, em 22 de dezembro de 2022, a Lei nº 14.478/22, que “dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais.”

A nova legislação, que entrará em vigor no Brasil em junho de 2023, regulamenta, para corretoras e investidores, o mercado de criptoativos, conceituando como ativo digital “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento.” (art. 3º).

A lei, contudo, deixa claro o que não é considerado ativo digital (art. 3º):

I - moeda nacional e moedas estrangeiras;

II - moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;

III - instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e

IV - representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.

Segundo a nova legislação, é considerada prestadora de serviços de ativos virtuais “a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como:

I - troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira;

II - troca entre um ou mais ativos virtuais;

III - transferência de ativos virtuais;

IV - custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou

V - participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.”

Importante elucidar que as corretoras de criptoativos deverão ser pessoas jurídicas regularmente constituídas, e poderão operar no Brasil desde que obtenham autorização de órgão da administração pública federal, ainda não definido, que terá a incumbência de estabelecer condições e prazos, de até seis meses, para quem já estiver operando se adequar às novas regras (art. 9º).

Portanto, aguarda-se ato do Poder Executivo indicando quem será o órgão ou a entidade da Administração Pública Federal responsável por regulamentar, disciplinar o funcionamento e supervisionar o mercado de criptoativos, e, ao que tudo indica, a atribuição será do Banco Central do Brasil, salvo se novo ente for criado especialmente para tal finalidade.

Segundo dispõe o art. 7º da Lei nº 14.473/22, “compete ao órgão ou à entidade reguladora indicada em ato do Poder Executivo Federal:

I - autorizar funcionamento, transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da prestadora de serviços de ativos virtuais;

II - estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais em prestadora de serviços de ativos virtuais e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração;

III - supervisionar a prestadora de serviços de ativos virtuais e aplicar as disposições da Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017, em caso de descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação;

IV - cancelar, de ofício ou a pedido, as autorizações de que tratam os incisos I e II deste caput; e

V - dispor sobre as hipóteses em que as atividades ou operações de que trata o art. 5º desta Lei serão incluídas no mercado de câmbio ou em que deverão submeter-se à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no País.

A Lei dos Criptoativos, como vem sendo chamada, incluiu no Código Penal o art. 171-A, que define o crime de “Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, como variante do crime de estelionato.

O novo tipo penal diz que é crime “Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”.

Assim, por exemplo, quem ofertar ou induzir alguém a aderir às famosas “pirâmides financeiras” poderá ser condenado, pela justiça brasileira, e sofrer pena de reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além de multa.

Outra modificação importante foi a inclusão dos prestadores de serviços de ativos digitais no Sistema Financeiro Nacional. É que a Lei nº 14.478/22 alterou a Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, incluindo, no parágrafo único do art. 1º, o inciso I-A: “a pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia”.

Ou seja, as corretoras de ativos virtuais agora estão equiparadas às instituições financeiras, a elas se aplicando regras e penalidades previstas na lei de crimes contra o sistema financeiro nacional, principalmente, e ao que aqui interessa, às transações ilícitas envolvendo ativos virtuais.

Questões como “quem são os investidores?” e “de onde vem o dinheiro?”, por exemplo, passarão a ser também preocupação das corretoras de criptoativos, tudo em razão da equiparação das mesmas às instituições financeiras.

A nova lei que regulamenta o mercado de criptoativos também alterou a Lei nº 9.613/98, que trata sobre o crime de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores. Conforme dispõe o art. 1º, §4º, em sua nova redação, a pena será aumentada de 1/3 a 2/3 se os crimes de lavagem de dinheiro forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual.

Também foi alterada a Lei de “Lavagem” para incluir as corretoras de ativos digitais na lista dos obrigados ao “mecanismo de controle”, ou seja, quando a nova lei entrar em vigor, as prestadoras de serviços de ativos virtuais (exchanges) deverão identificar clientes, manter cadastros atualizados e o registro de todas as transações com ativos virtuais, conforme nova redação conferida ao art. 10, II (Lei nº 9.613/98), prestando informações de transações suspeitas ao COAF (Conselho de Controle de Atividades  Financeiras), órgão do Ministério da Fazenda, com competência para investigar e identificar crimes de “lavagem” e aplicar sanções.

Importante, por fim, ressaltar, que as corretoras que atuarem neste mercado deverão obedecer ao disposto no CDC (Código de Defesa do Consumidor), conforme expressa previsão do art. 13 da nova lei, reconhecendo, portanto, a hipossuficiência e a vulnerabilidade do investidor no mercado de criptoativos.

Como visto, a regulação da atividade de prestação de serviços de ativos digitais, no Brasil, tem por fim acompanhar a evolução tecnológica, sem descurar investidores e fechando o cerco para atividades ilícitas que este mercado, conhecido pela volatilidade, pode oportunizar.

Izabela Lehn – Advogada
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV/DI
Izabela Lehn Advocacia

Receba
Novidades