Imunidade do ITBI na desincorporação de bens imóveis em razão da extinção de empresas

Por ACI: 20/05/2022

I - Introdução

O presente ensaio tem por fim enfrentar o tema da imunidade do ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) em operações de transferências de bens imóveis aos sócios, em pagamento de haveres decorrentes do encerramento das atividades empresariais.

O assunto não é novo e o entendimento, respaldado nas leis vigentes, é o de que não incide ITBI se houver desincorporação de imóveis, desde que a transmissão patrimonial decorrente da extinção da empresa aconteça em prol dos sócios que originalmente subscreveram e integralizaram os bens para composição do capital social.

Contudo, vem sendo debatido por juristas se a imunidade tributária é aplicável quando ocorrer distrato social e transmissão patrimonial em favor de outros sócios, diversos daqueles que integralizaram os bens na empresa primitivamente.

O ensaio iniciará com breves considerações sobre as leis vigentes e compreensão da questão jurídica em discussão para, em seguida, analisar como o Poder Judiciário vem se posicionando sobre o assunto.

II – Legislação vigente e compreensão do problema

O art. 36, I, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25/10/66) prevê que o ITBI não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos “quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito.”

O parágrafo único do referido artigo, em complemento, assim dispõe: “O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.”

O CTN, portanto, dispõe que não incide o ITBI na incorporação do patrimônio à empresa, pelo sócio, para integralização do capital social, prevalecendo também a imunidade quando o mesmo bem é desincorporado, retornando ao primitivo sócio, ex-proprietário.

Ocorre que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou o disposto no parágrafo único do art. 36 do CTN, acima citado, prevendo, no § 2º, I, do art. 156, que “não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.”

Como visto, a Constituição Federal apenas dispõe que há imunidade do ITBI na transmissão de imóveis decorrentes do término da empresa, sem qualquer outra ressalva.

Mesmo assim, municípios de todo o país, por meio das respectivas leis municipais, respaldados no Código Tributário Nacional, não reconhecem a imunidade do ITBI quando a transferência patrimonial decorrente da extinção de uma sociedade empresária é realizada em prol de sócio diverso daquele que originalmente subscreveu e integralizou o bem na sociedade para formação do capital.

Conforme legislação transcrita nos parágrafos anteriores, a Constituição Federal confirma que não incide o ITBI em caso de extinção de empresas, não limitando, contudo, a prerrogativa da imunidade se a transferência patrimonial acontecer em prol dos sócios primitivos alienantes, que integralizaram o imóvel à sociedade para composição do capital subscrito.

III – Jurisprudência

Em decorrência da restrição contida no CTN (de reconhecer a imunidade do ITBI apenas se o imóvel é transmitido para o sócio e primitivo proprietário, que integralizou o bem na empresa), a discussão vem sendo levada aos tribunais para que o benefício da imunidade tributária seja também reconhecido quando a desincorporação patrimonial por extinção da pessoa jurídica acontecer em prol de qualquer outro sócio.

São poucas as decisões sobre o assunto e no âmbito do Tribunal de Justiça do RS a imunidade tributária vem sendo reconhecida como direito líquido e certo do contribuinte, via mandado de segurança, conforme julgamento a seguir transcrito:

“APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. ITBI. EXTINÇÃO DE PESSOA JURÍDICA COM DEVOLUÇÃO DE CAPITAL AO SÓCIO. PATRIMÔNIO IMOBILIÁRIO. ART. 156, § 2º, I, DA CF. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECONHECIDA. Nos termos do art. 156, § 2º, I, da CF, não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Hipótese em que ocorreu a extinção da sociedade com a devolução do capital social ao impetrante, mediante transferência de imóveis. Inaplicabilidade do art. 36, parágrafo único, do CTN, e do art. 7º, II, da Lei Municipal nº 2.584/89. APELO DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.” (Apelação e Reexame Necessário, Nº 70073065930, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 27-04-2017).

No texto do acórdão acima citado, está transcrito o entendimento do professor Hugo de Brito Machado (Comentários ao Código Tributário Nacional), sobre o assunto:

“A extinção de uma pessoa jurídica pode decorrer de sua incorporação a outra, (...) ou de sua fusão e de sua cisão com versão total de seu patrimônio ou, ainda, do desfazimento do pacto societário e o consequente encerramento da liquidação. (...)

Ressalte-se que, no caso de extinção, pode haver questionamento a respeito da incidência do imposto quando os bens imóveis ou direitos a eles relativos forem destinados a pessoas diversas daquelas que os houverem incorporado ao patrimônio da pessoa jurídica.

Realmente, o parágrafo único do art. 36 estabelece que o imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I daquele artigo, isto é, mediante incorporação ao capital, em decorrência da desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos. Pode parecer, então, que, se os bens são incorporados ao capital da pessoa jurídica por A, e na extinção desta eles são atribuídos a B, a transmissão desses bens em decorrência dessa operação de extinção estaria fora de hipótese de não-incidência, vale dizer, haveria incidência do imposto. Esta, porém, não parece ser a interpretação correta. A vigente Constituição Federal diz que o imposto não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. O fato de serem os bens, na extinção da pessoa jurídica, transferidos aos mesmos alienantes, vale dizer, às mesmas pessoas que os incorporaram ao capital da pessoa jurídica, não está na hipótese de incidência da norma de imunidade em questão. Em outras palavras, na hipótese de extinção da pessoa jurídica é irrelevante quem seja o destinatário dos bens transferidos. “

O Tribunal de Justiça do RS, com fundamento no entendimento doutrinário acima citado e na Constituição Federal, julgou que, na hipótese de distrato social e pagamento de quotas mediante transmissão de patrimônio a sócios quotistas que não integralizaram o imóvel à sociedade, não incide o ITBI, conferindo à operação imunidade tributária.

IV – Considerações finais

Os municípios, através de leis próprias, respaldadas no Código Tributário Nacional, não reconhecem a imunidade do ITBI quando a transferência do imóvel, em caso de extinção da sociedade empresária, retorna à titularidade de sócio diverso daquele que, na origem, integralizou o patrimônio à sociedade.

Portanto, se não houver reconhecimento da imunidade do ITBI na esfera administrativa, é possível buscar o reconhecimento da prerrogativa junto ao Poder Judiciário, com fundamento no disposto na Constituição Federal do país.

Izabela Lehn - Advogada
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV
Izabela Lehn Advocacia

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