Usucapir bem de herança

Por ACI: 26/07/2018

Segundo dispõe o artigo 1.791 do Código Civil, a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros, e até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível. Assim, o processamento de inventário é indiscutível. Muitas vezes, o herdeiro tem a posse de um bem e pensa adquirir a propriedade através de uma ação de usucapião.

Esta ação é uma forma de aquisição da propriedade que requer, para sua validação, dois elementos fundamentais: a posse e o tempo. Não é qualquer posse, porém, que propicia com o decorrer do tempo, o reconhecimento da usucapião.

Para isso, a posse precisa ser exercida com intenção de proprietário e seu objeto deve servir de utilização de forma ininterrupta e incontestada à pessoa que pretende sua aquisição, durante todo o período necessário para a tipificação da usucapião. Ainda, para ser justa, a posse não pode ser violenta nem clandestina, isto é, realizada às escondidas, sem ser percebida. Contudo, há a considerar como fundamental que a posse injusta inviabiliza a ação de usucapião, assim como a precariedade.

A posse precária de um imóvel ocorre quando alguém que o recebeu por confiança, na expectativa de devolvê-lo, opta por retê-lo indevidamente quando o imóvel lhe for solicitado. O artigo 1.208 do CC diz que “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Consigna-se que a caracterização da posse violenta ou clandestina cessa juntamente com os atos que a originaram, já a posse precária não cessa nunca.

Reitera-se que com a abertura da sucessão estabelece-se uma composse, com investidura dos herdeiros na posse e no domínio de todo o imóvel, conforme estatuído no art. 1784 do CC, sendo certo que o meio hábil à sua extinção e à titularização do domínio se corporifica no processamento do inventário do bem e da partilha aos herdeiros. Nesse passo a ação de usucapião não traduz meio adequado para a partilha e reconhecimento do domínio de bem adquirido por força de transmissão causa mortis.

Reiteradamente herdeiros, como já se disse, que detêm a posse de um imóvel de herança querem tornar-se proprietários do mesmo via usucapião e, então, ajuízam esta ação. A propósito, alude-se ao que consta na decisão em agravo de recurso especial nº 770.680 MG, do qual foi relator o Ministro Raul Araújo do STJ:
“Ora, como sabido, o proprietário do imóvel, na condição de herdeiro, exerce sob o bem posse derivada, uma vez que é transmitida, desde logo pelo instituto da saisine previsto no art. 1784 do Código Civil. Contudo, deve-se dizer que apenas a posse originária, isto é, animus domini, é capaz de conduzir à usucapião. No que se refere ao animus domini, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento explica, que “exclui, igualmente, toda posse que não se faça acompanhar de ter a coisa para locatário, do usufrutuário, do credor pignoratício, que, tendo embora o jus possidendi, que os habilita a invocar os interditos para o possuidor indireto, (proprietário), não têm nem podem ter a faculdade de usucapir. E é óbvio, pois aquele que possui com base num título que o obriga a restituir desfruta de uma situação incompreensível com a aquisição da coisa para si mesmo.” (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Usucapião; doutrina, jurisprudência e prática. 2ª edição. Porto Alegre, Síntese, 1980, pg. 43).”

Contudo, cabe ressalvar que, recentemente, em relação ao tema, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que um imóvel, objeto de herança, pode ser, por um dos herdeiros, pleiteada a prescrição aquisitiva desde que haja a ocorrência dos requisitos para a configuração extraordinária prevista no art. 1238 do Código Civil. Foi reformado pela decisão do STJ o entendimento antes aludido de que a tolerância dos demais herdeiros gera a detenção do bem, mas não sua posse, com a posição da 3ª Turma do STJ (Rec. Esp. 1631859), que inovou. O herdeiro que fica com o imóvel da herança sem oposição por 15 anos pode ser por ele usucapido, desde que use o imóvel em nome próprio e exerça a posse exclusiva com o ânimo de dono. Estes requisitos dependem da prova.

Existe agora possibilidade de fazer o usucapião extra judicial, criado pela Lei nº 11.977/09, com modificação pela Lei nº 12.424/11.

O Provimento 65, aprovado em 10 de maio de 2018 pelo Conselho Nacional de Justiça, regulamenta a realização do usucapião em cartórios. Trata-se de um processamento menos complexo e assegura celeridade.

ADALBERTO ALEXANDRE SNEL | ADVOGADO
Integrante do Comitê Jurídico da ACI–NH/CB/EV
Snel Advogados

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