Como será a fiscalização do MPT sobre o trabalho em home office

Por ACI: 15/10/2020

Uma nota técnica editada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre diretrizes para o teletrabalho, na semana passada, espalhou temores sobre como se dará a fiscalização de quem está cumprindo tarefas em casa. Advogados da área trabalhista avaliam que pode haver invasão de competência do órgão.

A procuradora gaúcha Thais Fidelis Alves Bruch, que participou do grupo que elaborou as regras, pondera que a nota técnica nasceu de consultas de empresas e sindicatos e vai observar a necessidade de um "período de adaptação", mas confirma que já estão sendo cobradas.

Por que o MPT decidiu editar a nota técnica?

Primeiro, porque fomos consultados por empresas e sindicatos para saber qual seria a nossa posição. O MPT entende que home office, teletrabalho ou trabalho à distância pode ser um ganho, não o ônus não pode ser todo do trabalhador. O MPT entende que a crise sanitária exigiu que tudo fosse feito às pressas, então precisa ter um período de adaptação. O objetivo é sistematizar o que vai pautar a atuação do órgão, dar orientação e parâmetro para pessoas e empresas.

Já está valendo ou é só para quem mantiver teletrabalho depois da pandemia?

Já vale agora, mas o MPT parte da premissa da razoabilidade e de de que tem de haver um período de adaptação. Mas como empresas afirmaram que pretendem permanecer nesse sistema, entendemos que esses parâmetros devem ser acatados. A nota é muito mais preventiva do que reativa. Queremos agir antes do dano.

Especialistas dizem que a nota inclui aspectos não previstos na CLT. O MPT ultrapassou sua competência?

Não criamos nada, apenas sistematizamos leis já existentes. O direito de privacidade e de imagem estão previstos no marco legal da internet. A legislação trabalhista sempre conciliou normas do Direito Civil e Constitucional. Há normas que se aplicam, sim, às relações de trabalho, até porque o Direito Constitucional vem antes da CLT.

Há risco de novo aumento de ações de dano moral?

Será preciso analisar caso a caso. Se for obedecida a duração razoável das jornadas, respeitados os direitos do trabalhador, não há motivo. Não vejo motivos para aumentar, ao contrário.

Como vai ser a fiscalização?

Há muito tempo o MPT fiscaliza por meio de arquivos digitais. Há casos em que há necessidade de verificar in loco, como nos frigoríficos, mas isso ocorrer uma vez ao ano e olhe lá. Até porque a fiscalização propriamente dita é a Secretaria Especial do Trabalho e da Previdência, do Ministério da Economia.

O MPT vai bater à porta de quem trabalha em casa?

Não, a princípio, não está nos planos fazer visitas a domicílio. Vamos atuar com base na tecnologia.

E em aspectos que não podem ser verificados, como a pessoa que prefere trabalhar na cama, por exemplo?

Aí entra a importância do treinamento e da disponibilidade adequada dos instrumentos de trabalho. Se a pessoa vai para casa, vai trabalhar de uma determinada forma.

E aspectos relacionados a exigências de ergonomia, que não podem ser fiscalizados eletronicamente?

Na reforma trabalhista, já ficou definido que as empresas têm de informar aos trabalhadores que devem cumprir essas normas. Na administração pública, em muitos casos é feita uma avaliação, com autorização do servidor, para ver se tem instrumentos e operação adequados. Isso é importante porque o número de problemas, como LER (lesões por esforço repetitivo), é gigantesco no país. E quem vai custear isso, se o trabalhador ficar doente devido a excesso ou más condições, é a sociedade, no SUS e no INSS. Queremos atitudes preventivas para evitar excesso de pessoas com problemas ergonômicos.

Como o MPT vai agir em relação à nota técnica?

O MPT só age em reação a denúncias. A maioria das que estão chegando são sobre excesso de jornada e problemas de cansaço físico e mental. Cada procurador vai avaliar, com base na nota técnica, quais os próximos passos. É tudo muito incipiente, inclusive para a nossa instituição. Queremos começar um diálogo social aberto com todos os setores sobre esse novo instituto jurídico. É importante que tenhamos uma política pública, em parceria com entidades privadas, sobre inclusão digital. Há risco de se criar um grupo de excluídos digitais que nunca mais serão incluídos no mundo do trabalho.

Faz sentido zelar por privacidade digital, cada vez mais relativizada nas redes sociais?

É preciso reforçar a ética digital, é um processo de construção dos valores. Isso inclui o direito de desconectar, de não não ser chamado à meia-noite. As pessoas não têm a real noção das consequências da superexposição e do fornecimento de dados desnecessário e em excesso. A privacidade ainda não foi desconstruída.

ALGUMAS DAS MEDIDAS RECOMENDADAS PELO MPT

Ética digital - Preservar intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar na residência do trabalhador.
Contrato - Regular teletrabalho por contrato aditivo por escrito.
Ergonomia - Garantir que o trabalho seja desenvolvido em postura adequada, garantida por equipamentos e até formato de reuniões.
Pausa - Garantir períodos capacitação e adaptação, além de pausas e intervalos para descanso e alimentação.
Tecnologia - Oferecer apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação em plataformas virtuais.
Prevenção - Comunicar de forma expressa, clara e objetiva medidas para evitar doenças, físicas, mentais e acidentes de trabalho.
Jornada - Observar o horário contratado.
Etiqueta digital - Observar horários para atender demandas, assegurando repouso legal e direito à desconexão.
Liberdade de expressão - Garantir esse direito, desde que não haja calúnia ou injúria.
Autocuidado: estabelecer política de identificação de sinais e sintomas de covid-19.

Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/marta-sfredo

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