A grande greve de 2018: quem ganhou com isso?

Por ACI: 06/06/2018

Quando se examinam fatos e seus reflexos, há de se ter presente o alerta que já fizera Paul Veyne – historiador e arqueólogo francês – acerca de uma armadilha inerente a isso: “o perigo da História é que ela parece fácil e não o é”.  Não obstante, faz-se necessário examinar os reflexos do grande movimento ocorrido no Brasil ao final de maio de 2018, alguns previsíveis outros nem tanto.

Embora intelectualmente se esteja tentado a invocar o Conselheiro Acácio (famoso personagem da obra Primo Basílio de Eça de Queiroz), que entre outras obviedades dizia que “as consequências vêm sempre depois”, percebe-se que se está diante de uma soma de fatos sem precedentes, com efeitos prejudiciais para a maioria dos brasileiros.

Não se pretende tratar aqui de todos os prejuízos causados, pois inescapavelmente precisa-se reconhecer que quantificá-los nada mais é do que um simples exercício de retórica matemática (se isso fosse possível), sem contar o incalculável valor de uma vida humana perdida neste processo. O que se objetiva aqui é examinar as medidas adotadas para por fim ao verdadeiro caos instalado, especialmente no que tange a eficácia e consequências.

A redução do preço do diesel prometida (R$ 0,46) deu-se sob condições indiscutivelmente inaceitáveis para o restante da sociedade. Sob tal pretexto, foi votada a “toque de caixa” o texto de Lei 13.670, que impôs severos ônus ao setor produtivo da economia, mediante: a) cobrança de contribuição previdenciária (excetuados alguns setores) sobre a folha de salários (20%); b) fim da restituição de tributos incidentes na cadeia produtiva exportadora (REINTEGRA); e c) impossibilidade de utilização de créditos legitimamente acumulados para fins de pagamento de IRPJ e CSLL mensalmente devidos por estimativa. Não bastassem seus nefastos efeitos econômicos, tais medidas são, no mínimo, constitucionalmente discutíveis.

Além disso, foi editada uma malfadada Medida Provisória (832) que visa o impossível: revogar a lei da oferta e procura. Tal norma estabeleceu um preço mínimo para o frete e, não tendo meios para aplicar quaisquer sanções pelo seu não cumprimento, estabeleceu uma inusitada “indenização” a ser paga ao transportador pelo contratante, na hipótese de sua inobservância (art. 5º § 4º). A partir dela, espalham-se boatos, segundo os quais, a Agência Reguladora (ANTT) aplicaria multas pelo não cumprimento (sem qualquer base legal para tanto) ou mesmo que haveria apreensão de cargas ou atos de vandalismo contra aqueles que não observassem a tabela. Algo certamente tão inócuo, quanto tentar revogar a lei da gravidade, não fosse o “terror da insegurança”.

Substitui-se o presidente da PETROBRAS, mas tudo indica que a política de preços adotada, com reajustes diários, permanecerá imutável. Para tanto, o governo promete retirar do orçamento recursos estimados entre dez a quinze bilhões até o final de 2018, com vistas a subsidiar as eventuais perdas que a companhia teria pelo não repasse diário das alterações (quase sempre majorações) de preços. Todas as explicações são dadas pelos “experts” sobre tema, mas não se tem acesso (clara e transparente) a fórmula pela qual a estatal brasileira chega a tais preços. Ou seja, o Estado Brasileiro (leia-se todos os cidadãos) transferirá para uma empresa (que tem milhares de acionistas) uma fabulosa quantia para compensar o preço que ela poderia cobrar (pode cobrar qualquer um já que é monopólio!) e não está cobrando. Cabe, pois, aqui uma Ação Civil Pública, pois recursos públicos estão sendo indevidamente destinados àqueles que “estão ganhando com isso”.   

Para terminar, pega-se uma máquina do tempo e volta-se para os anos 1970 e 1980 e recria-se os “fiscais de preços de combustíveis”, com vistas a aplicar penalidades (onde estão previstas tais penalidades?) contra os proprietários de postos de combustíveis que não estiverem vendendo diesel R$ 0,46 menos do que vendiam em 21 de maio de 2018. Enquanto isso, afirma-se que no mercado de combustíveis os preços são livres...Alguém acredita que isso dará certo?

O que diria o conselheiro Acácio se existisse? A grande “greve” de 2018 resultará mais recessão econômica, repique inflacionário (que só não se sustentará em face referida recessão), majorações irrefreáveis nos preços da gasolina, dificuldades ou até quebra a inúmeras indústrias exportadoras (em face dos efeitos tributários antes mencionados) e ampliação do déficit público como consequência justamente das medidas que visavam reduzi-lo. Ora, tentar aumentar carga tributária em tempos de crise, (com medidas de reprovável esperteza como aquelas contidas na Lei 13.670) é muito mais do que uma “barbeiragem” econômica, não fosse suficiente o fato que, mais uma vez, faz-se de conta que constituição não existe.   

Marciano Buffon
Consultor Jurídico Tributário e Fiscal da ACI-NH/CB/EV 

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