A repactuação das obrigações: contratos e suas alternativas a partir da Covid-19

Por ACI: 26/05/2020

O contrato é base das relações jurídicas civilizadas, na medida em que pessoas (físicas ou jurídicas) realizam, a partir de expectativas e interesses legítimos, ajustes que envolvem a troca justa entre prestação e contraprestação. Esses ajustes se materializam das mais diversas formas, uma vez que o sistema jurídico, via de regra, não exige padrão específico para a existência e validade de um contrato.

Contratos, portanto, podem ser celebrados de forma verbal ou escrita, através de meios digitais ou de assinatura em documentos físicos que podem ser arquivados pelas partes.

Inúmeros contratos foram firmados por indivíduos ou empresas antes da declaração da OMS acerca da Pandemia do Coronavírus (Covid-19), considerando sua realidade e suas perspectivas decorrentes da análise do cenário imediato e mediato.

Ocorre que a calamidade pública confirmada a partir da Pandemia tem determinado inúmeras mudanças no planejamento, exigindo de todos a ponderação sobre as variáveis de cada realidade econômica (individual e empresarial) e, em inúmeras situações, se está diante da necessidade de romper ou readequar os contratos anteriormente celebrados.

Doutrinadores e juristas têm alertando sobre a adoção de rigorosos cuidados no que diz respeito à orientação e normas aplicáveis, porquanto a pandemia não pode ser seguida do caos jurídico, sob pena de serem experimentados danos ainda mais severos para pessoas e organizações.

Há setores da economia que estão temporariamente inviabilizados e que terão lenta retomada quando forem abrandadas as medidas de isolamento ou distanciamento social, tais como o turismo, o entretenimento coletivo e todas as atividades que tenham no seu elemento central a aglomeração de pessoas.

Por sua vez, há outros contratos que sofreram modificações profundas na sua dinâmica, exigindo das partes o discernimento para a busca do reequilíbrio, se possível; ou a sua resolução, se não for possível encontrar meios de reorganização.

O ponto central da reflexão está no princípio da conservação do contrato, pois sua manutenção interessa aos próprios contratantes, pela proteção do sistema jurídico como um todo e pela manutenção do sistema de trocas, mesmo que com adaptações.

Os princípios que sustentam a mudança da base do negócio, como elemento para a revisão ou resolução contratual, têm fundamento nos artigos 317[1] e 478[2] do Código Civil, no entanto sua aplicação, encontra limites. O primeiro aspecto a ser destacado na análise do texto legal decorre da constatação que os artigos referem a dificuldade experimentada por uma das partes contratantes, o que não é a situação identificada a partir da Pandemia, já que esta atinge a todos. O segundo aspecto dá conta que os artigos 317 e 478 do Código Civil remetem à análise do Juiz, transferindo a responsabilidade pela decisão, destacando-se que certamente o Poder Judiciário será muito demandado a partir dos conflitos decorrentes da Pandemia.

Note-se que o Judiciário tem ferramentas para conduzir a solução de conflitos, todavia sua estrutura nem sempre traz respostas rápidas ou apresenta instrumentos para aprofundar-se nas relações contratuais existentes, com o detalhamento que os contratantes podem fazê-lo. Para além dos documentos firmados, existem outros dados que são da essência do vínculo construído pelas partes, de modo que a recomendação é de que seja empreendido o movimento para a negociação entre os integrantes da relação contratual.

O momento é de diálogo, pois este auxilia na compreensão das possibilidades e limitações dos contratantes, lembrando que os pactos nasceram equilibrados e as variáveis decorrentes da Pandemia atingem a todos, possivelmente com particularidades individuais, mas que trazem consequências a todo o ambiente de negócios.

Ambos os contratantes sofrem os efeitos da Pandemia, não se podendo identificar somente uma parte prejudicada, a princípio. Por essa razão, quer-se salientar a importância de buscar o diálogo, a negociação fundada em dados objetivos e diante da análise de todas as possibilidades para a implementação dos seus termos.

A manutenção dos contratos, mesmo com adaptações quanto à forma, ao preço ou prazo, interessa às partes e ao sistema jurídico como um todo, haja vista que a ruptura generalizada tem potencial destrutivo para as relações sociais e econômicas.

O momento é de buscar todas as alternativas de negociação, como aspecto maduro de planejamento do presente e do futuro das pessoas e das organizações.

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[1] Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
[2] Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a
outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

CLÁUDIA BRESSLER – ADVOGADA
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV
B&G Advocacia

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