A importância da boa-fé no mundo dos negócios

Por ACI: 20/02/2020

A necessidade de observar a boa-fé no mundo dos negócios não é novidade.

O art. 187 do Código Civil, por exemplo, destaca a boa-fé ao prever que “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Ainda, o art. 422 do mesmo Código, dispõe que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

E, por fim, também para exemplificar, o Código Civil Brasileiro, recentemente alterado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), dispõe, no art. 113, que “negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé”, e que a interpretação deverá considerar “qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida”.

Portanto, se alguém aliena a sua participação societária num dia, e se, no outro, a empresa é vendida por cifra milionária, existe a possibilidade de reclamar eventual prejuízo ou buscar indenização junto ao Poder Judiciário?

Recentemente, em dezembro passado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou um caso polêmico. As partes litigavam numa ação de dissolução parcial de sociedade que tinha por finalidade oficializar a retirada de sócio minoritário da empresa e apurar, mediante perícia, o valor correspondente aos haveres societários.

No decorrer da ação judicial as partes realizaram acordo e o sócio retirante, muito doente e sensibilizado pelas dificuldades financeiras enfrentadas pela sociedade, aceitou transigir e receber cerca de três milhões de reais para ceder sua participação societária.

Ocorre que no dia seguinte ao da homologação judicial do acordo, o ex-sócio tomou conhecimento de que a sociedade empresária fora alienada a um Grupo Americano pela quantia expressiva de aproximadamente quatorze milhões de dólares.

As negociações de venda aconteceram paralelamente à negociação travada com o ex-sócio, mas foram omitidas pelos sócios remanescentes, que ocultaram o negócio e forneceram dados falsos sobre a situação financeira da sociedade empresária.

Inconformado, o ex-sócio ajuizou ação indenizatória buscando o complemento do preço de seus haveres, sob o fundamento de “dolo ativo e omissivo na conclusão do negócio jurídico, violação da boa-fé e deveres fiduciários”, bem como reparação pelos danos morais sofridos.

O sócio retirante, em resumo, requereu judicialmente o direito de receber a diferença entre o preço pago por seus haveres sociais e o preço que deveria ter recebido se sua quota fosse avaliada conforme o preço do negócio que lhe foram ocultado, ajuizando a referida ação judicial contra a empresa e todos os sócios integrantes do quadro social.

Está dito no acórdão que a “questão nuclear a ser desvendada é se o autor tem direito na recomposição do preço ou se a negociação levada a cabo pelos réus foi um golpe de sorte ou uma negociação astuta e absurdamente lucrativa, muito comum no mundo dos negócios ou, ainda, se a negociação foi danosa e prejudicial ao autor por conduta desonesta levada a cabo pelos réus que omitiram informações e sonegaram dados a respeito da empresa e do próprio negócio que já estava fechado e selado.”

(Apelação Cível nº 70082901208, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 13-12-2019).

Ou seja, o Judiciário debateu se naquele caso em específico houve desonestidade e falta de transparência por parte da empresa e de seus associados, ou, contrariamente, se a transação estava dentro da normalidade e das jogadas comumente realizadas no mundo dos negócios.

E o Tribunal de Justiça do RS, destacando o dever de agir com boa-fé e transparência, julgou o pedido de indenização procedente porque houve lesão aos direitos do ex-sócio que fora vítima do “engenho malicioso perpetrado pelos réus na entabulação de acordo/transação por preço reduzido, quando sabiam que, com a concentração de todas as quotas sociais, o lucro da Família” estaria garantido.

Em resumo, a empresa e os sócios, com a intenção de obter vantagem, omitiram do antigo sócio informação relevante, de que a organização estava praticamente vendida por preço estratosférico.

Além disso, induziram o sócio em erro de avaliação, pois argumentaram que a empresa (já vendida), estava à beira da falência e acumulando dívidas, o que implicaria, consequentemente, na desvalorização da participação societária do sócio retirante.

Sem dúvida, um caso interessante, que demonstra a importância da boa-fé e da transparência nas transações empresariais.

IZABELA LEHN DUARTE | ADVOGADA
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV
Lehn Duarte Advogados

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