Que tipo de consumidor queremos ser? Leis para proteger ou para tutelar?

Por ACI: 27/02/2018

Uma sociedade que se considera madura, desenvolvida e/ ou evoluída sabe que há em tudo uma via dupla, assim como existem direitos existem deveres. E essa percepção é mais apurada quando pensamos na legislação de um determinado país, e como essa legislação é interpretada pelos tribunais, em especial, quando tratamos do Direito do Consumidor.

Recente decisão proferida pelo STJ, voto relator da Ministra Nancy Andrighi REsp 1.644.405-RS, por unanimidade, julgado em 09/11/2017, analisou se seria aplicável à espécie, a condenação em danos morais, na hipótese o dano moral re in ipsa em função do encontro de um corpo estranho em alimento industrializado, e se seria necessária sua ingestão ou se o simples fato de levar tal resíduo à boca seria suficiente para a configuração do dano moral in re ipsa.

A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto ou gênero alimentício é consumido em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de insalubridade oferecedora de risco à saúde ou à incolumidade física. No entanto, na hipótese analisada, há a peculiaridade de não ter havido ingestão, ainda que parcial, do produto contaminado, visto que, conforme estabelecido no acórdão recorrido, o corpo estranho – um anel indevidamente contido em uma bolacha recheada – esteve prestes a ser engolido por criança de 8 anos, sendo cuspido no último instante. A decisão, unânime entendeu que deveria haver a condenação em danos morais re in
ipsa, mesmo não havendo a ingestão do “corpo estranho”. Ou seja, o abalo moral, a ofensa a dignidade humana estaria presente com o simples fato de levar à boca a ingestão do alimento.

E, o que é, de forma resumida, o “dano re in ipsa”? A princípio o termo “in re ipsa” significa que decorre do próprio fato, o que é presumido, neste sentido o dano moral "in re ipsa" não depende de prova do prejuízo, de comprovação de determinado abalo psicológico sofrido pela vítima, o dano como mencionado é presumido.

Assim, voltando ao questionamento inicial, será esta a melhor interpretação ao caso concreto? A resposta pode ser sim, afinal envolvia menor que estava prestes a consumir produto inapropriado, mas ela também pode ser um não, se analisado se o fato efetivamente causou abalo psicológico, dano à dignidade humana da pessoa envolvida, risco à saúde etc.

É necessário que a sociedade reflita sobre que tipo de consumidor quer ser. Como o Judiciário deve se comportar quando fizer a interpretação da legislação brasileira ao caso concreto. As respostas a estas questões serão fundamentais para definirmos se seremos uma sociedade que precisa ser “tutelada” pelo Estado/Juiz, como se incapaz fosse todo o instante, sem capacidade para tomar decisões sensatas e responsáveis, ou se queremos ser protegidos pela Lei na correta e adequada medida desta sem os excessos que podem daí advir.

MIRIAM SCHAEFFER | ADVOGADA
Solange Neves Advogados Associados

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