Os contratos e a segunda onda da Covid-19

Por ACI: 23/03/2021

O ano de 2020 reservou a todos, empresas, instituições, famílias e comunidade, inúmeros desafios para o enfrentamento da pandemia de Covid-19. O medo do desconhecido e do ritmo com que a avassaladora doença se espalhou pelo mundo exigiu do Poder Público a adoção de uma série de medidas para preservar a capacidade de atendimento dos sistemas de saúde, o que resultou na suspensão de atividades, sentida em maior ou menor grau, considerando o segmento de atuação.

O sistema jurídico também buscou na sua estrutura normativa as alternativas para regular e buscar soluções relacionadas ao descumprimento de contratos, uma vez que a grande maioria das empresas e das famílias sofreu algum impacto econômico, logístico, carência de produtos ou na sua cadeia de fornecedores.

Inúmeros contratantes buscaram a renegociação, prazos necessitaram ser redefinidos e consequências jurídicas foram atenuadas, tanto pela adequação normativa, como pela própria vontade das partes ou intervenção do Poder Judiciário.

Já no ano de 2020, a redação dos contratos passou a ser mais específica no que diz respeito à previsão dos efeitos de uma pandemia ou situação de calamidade pública que modifique a condição para a prestação de serviços ou entrega de produtos, insumos e demais elementos negociados entre as partes. Mas nem todas as relações jurídicas tiveram novos parâmetros contratuais fixados, havendo somente concessões na hipótese excepcional que se verificou.

A partir do aprendizado, das negociações entre entidades e empresas e da compreensão de que havia o arrefecimento da curva de contágio, as atividades foram lentamente sendo retomadas, embora houvesse o destaque para a ausência de solução definitiva para a pandemia e a importância de se preservar medidas de higiene e distanciamento.

As empresas, instituições e famílias que ensaiavam o retorno a uma situação próxima do que se conhece por “normalidade” foram surpreendidas com o rápido esgotamento do sistema de saúde, após o período de férias e festividades, sendo impactadas por novas medidas de restrição à circulação e ao funcionamento das atividades.

As consequências das medidas adotadas, além de trazer desânimo e preocupação quanto à forma de gerir os efeitos da Covid-19, estão na identificação de dificuldades para o cumprimento de contratos, uma vez que muitos já consideravam os piores efeitos da pandemia como tendo sido superados.

A segunda onda traz a reboque o receio de que, além dos inegáveis prejuízos e impactos na saúde das pessoas, possa haver uma espécie de “carta branca” para o descumprimento dos contratos firmados.

Maturidade e seriedade

O período de extremas dificuldades que toda a sociedade tem enfrentado, tanto pelo crescimento vertiginoso de novos casos, como pelo esgotamento dos sistemas de saúde, exige maturidade e seriedade para com o funcionamento das instituições e das empresas, destacando que o contrato é a base sobre o qual a boa-fé se manifesta nas relações.

Há de se buscar todos os meios para cumprir ou, ao menos, demonstrar empenho para atender o que foi contratado, na medida em que o funcionamento da sociedade está fundado na confiança e esta deve ser preservada, mesmo em um contexto de excepcionalidade.

O sistema de saúde depende do funcionamento adequado da sua estrutura produtiva, que envolve insumos, materiais e equipamentos, que, em maior ou menor medida, são fruto de uma cadeia de fornecedores e empresas empenhadas em cumprir os seus contratos. Essa realidade se replica em muitos outros setores, ressaltando que os empreendimentos atendem às necessidades imediatas ou mediatas da comunidade e todos devem ter a sua continuidade preservada.

Existem instrumentos legais colocados à disposição dos contratantes para que estes possam enfrentar situações imprevisíveis ou extraordinárias (conforme apontam os artigos 317 e 478 do Código Civil e artigo 6º, V do Código de Defesa do Consumidor), mas há de se ter presente que uma segunda onda da pandemia pode impactar de formas diferentes o cumprimento dos contratos. São situações desafiadoras e que exigem responsabilidade de empresas e pessoas implicadas.

Cabe lembrar que os tribunais têm julgado ações de revisão ou resolução de contratos com o necessário distanciamento, limitando sua intervenção a casos em que efetivamente há provas de modificação significativa na estrutura econômica do contrato. De mais a mais, o Poder Judiciário está sendo bastante exigido com demandas graves e urgentes, devendo ser acionado quando efetivamente não restar alternativa negocial.

Como medida de saúde para as relações sociais, é sempre desejável que as partes busquem o consenso por meio de negociações diretas ou intermediadas, quando necessário. A pandemia, além de se revelar um acontecimento imprevisível, inevitável ou extraordinário, atingiu a sociedade como um todo, inexistindo quem não tenha sido impactado na sua rotina.

A segunda onda, que interfere de forma tão dramática sobre todos e indistintamente, deve reafirmar os valores do diálogo, do entendimento e da colaboração, pois a empresa ou a instituição não é um “fim em si mesmo”, ela só tem significado e existência quando inserida em sua comunidade.

CLÁUDIA BRESSLER – ADVOGADA
Integrante do Comitê Jurídico da ACI-NH/CB/EV
Bressler & Günther Advocacia

 

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