Ampliar a possibilidade de impunidade é um imenso retrocesso

Por ACI: 06/10/2021

Um marco no combate à corrupção e na apuração das condutas irregulares praticadas pelos agentes públicos, a Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) em vigor permite a condenação daqueles que lesarem os cofres públicos por omissões ou atos dolosos e culposos, isto é, mesmo sem que seja comprovada a intenção de cometer crime. Ela serve como uma importante ferramenta de combate ao enriquecimento ilícito dos agentes públicos e às condutas praticadas que, nos termos da lei, atentem contra princípios da administração pública, promovam prejuízos aos cofres públicos ou concedam indevido benefício financeiro ou tributário.

E, quando o país necessita de reformas para o fortalecimento do combate à corrupção, nos deparamos com a discussão sobre o Projeto de Lei nº 2.505/2021, que pretende “modernizar” a atual Lei da Improbidade Administrativa. Entendemos que a atualização de tal lei, uma vez que a mesma foi editada em 1992, é de fato importante, mas exige ampla reflexão e discussão, para que possamos ter certeza de que as mudanças propostas, na prática, proporcionem um avanço e não acabem dificultando, ou mesmo impedindo, a condenação dos infratores.

Segundo a proposta apresentada, com texto aprovado pelo plenário do Senado no último dia 29 de setembro, que retorna à Câmara dos Deputados para nova análise (devido a ter tido sua redação alterada), a lei atual é substancialmente modificada, e algumas das alterações parecem-nos muito danosas no combate à corrupção.

Uma das controversas mudanças é a que estabelece que, para a condenação de agentes públicos, os atos de improbidade administrativa passam a depender de condutas dolosas, sendo suprimida a modalidade culposa. Pelo texto, o agente será punido se agir com vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, ficando afastada a responsabilidade pelo simples exercício da função pública ou pela interpretação da lei sem comprovação de ato doloso com fim ilícito.

Outro ponto controverso é o que redefine os prazos prescricionais, já que, pela proposta, a ação prescreverá em oito anos (prazo único), contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. Antes, o prazo era de até cinco anos após o fim do mandato do acusado. A prescrição a partir do fato, e não mais ao término do mandato, e a prescrição intercorrente deverão forçar o Ministério Público a ter o máximo de eficiência em seu trabalho, para que não se acabe favorecendo a impunidade.

Não queremos que bons administradores públicos (e estes são a maioria!) fiquem manietados em suas atribuições por leis exageradamente coercitivas. No entanto, se este projeto de lei for aprovado, o retrocesso será imenso no combate à corrupção e na previsibilidade do ambiente jurídico e do ambiente de negócios, pois abrem-se inúmeras brechas na lei. Pois, na prática, a comprovação do dolo será quase que apenas no caso de confissão de quem comete tal crime, tal a dificuldade de prová-lo. E a prescrição, no âmbito do trâmite de nossa justiça, tornará a possibilidade dos envolvidos em ilícitos livrarem-se, com quase toda certeza, de punição, pois têm ao seu serviço ótimos e caros advogados que conhecem muito bem os caminhos protelatórios.

Assim sendo, após o desmanche da Operação Lava Jato, que, apesar de alguns equívocos e exageros, trouxe uma sensação nunca vista de que, sim, a lei pode prosperar, mesmo para os “peixes graúdos” (sejam eles do setor público ou privado), não podemos deixar que aconteça este desmonte nas leis anticorrupção. Clamamos aos eleitores que não deixem isto acontecer, e exigimos que deputados e senadores votem pensando no bem do país, e não apenas nos seus próprios interesses.

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